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Abade de Jazente |
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Paulino António Cabral (1719-1789), Abade de Jazente, nasceu e faleceu em Amarante. Foi abade da freguesia de Jazente, advindo-lhe daí o nome por que é mais conhecido. Pertenceu à Arcádia Portuense, juntamente com Xavier de Matos, seu colega de Coimbra, cidade onde ambos estudaram. Embora clérigo, escreveu poesias onde se canta o amor epicurista e horaciano. As suas obras foram publicadas em dois volumes: Poesias de Paulino Cabral de Vasconcelos, Abade de Jazente, vol. I (Porto, 1786) e Poesias de Paulino António Cabral, vol. II (Porto, 1787).
ALGUNS SONETOS
Amor é um arder, que se não sente; É ferida, que dói, e não tem cura; É febre, que no peito faz secura; É mal, que as forças tira de repente.
É fogo, que consome ocultamente; É dor, que mortifica a Criatura; É ânsia a mais cruel, e a mais impura; É frágoa, que devora o fogo ardente.
É um triste penar entre lamentos, É um não acabar sempre penando; É um andar metido em mil tormentos.
É suspiros lançar de quando, em quando; É quem me causa eternos sentimentos: É quem me mata, e vida me está dando.
I, 55
Brutos penhascos, rústicas montanhas, Medonhos bosques, hórrida maleza, Que me vedes, coberto de tristeza, Saudoso habitador destas campanhas.
Para me suavizar mágoas tamanhas, Alteremos um pouco a Natureza; Civilize meu mal vossa dureza, Barbarizai-me vós estas entranhas.
Meu pranto vos comova algum afecto De branda compaixão; pois da impiedade Encontra sempre em vós um duro objecto.
Pode ser, que com esta variedade, Seja mais agradável vosso aspecto, Sinta eu menos cruel minha saudade.
I, 11
A Manhã fresca está, sereno o vento, O monte verde, o rio transparente, O bosque ameno; e o prado florescente Fragâncias exalando cento a cento.
O Peixe, a Ave, o Bruto, o branco Armento, Tudo se alegra; e até sair a gente Dos rústicos casais se vê contente, E discorrer com vário movimento.
Este cava, outro ceifa e aquele o gado Traz no campo a pastar de posto em posto; Outro pega na fouce, outro no arado.
Tudo alegre se mostra: e só disposto Tem contra mim o indispensável fado, Que em nada encontre alívio, em nada gosto.
I, 41
Tudo se muda: o génio unicamente Em ser constante nos mortais porfia, Connosco a vir ao mundo principia, Connosco morre, e nunca se desmente.
Ele as paixões na idade mais florente, Ele as acende na velhice fria: É sempre o mesmo, e em nada se varia Por mais que à vida a duração se aumente.
Dissimula-se sim, mas qualquer hora, Apesar da mais rígida cautela, Nos entrega cruel, e as faces cora.
Assim o antigo ardor, que me atropela, Assim me incita, ó Nize, a que inda agora Te adore amante, e te celebre bela.
I,167
VERDADES SINGELAS
Estas verdades singelas, Sem artifício e conceito, Pode-as ler qualquer sujeito; E, se vir que alguma delas Lá pela roupa lhe toca, Tape a boca.
Dizer um senhor fidalgo Que tem três contos de renda; E que gasta uma fazenda Só em sustentar um galgo, Que todas as lebres mata, Patarata.
Querer outro senhoria Quando tinham seus avós. Um tu, um você, um vós, Somente por cortesia Do cura, ou do senhorio, Desvario.
Trazer de luto os criados Um senhor mui reverente, E dizer a toda a gente Que gastou três mil cruzados De seu pai no mortuário, Gabatório.
Andar outro embonecado, Ter amores, ter afectos, E depois de ter já netos, Andar inda namorado Sem se lembrar da velhice, É tontice.
Dizer um por vários modos Que nos seus antepassados Tem trinta réis coroados Do claro sangue dos Godos Que pelas veias lhe gira, É mentira.
Andar outro como brasa Vendendo soberba a molhos, E metendo pelos olhos Os brasões de sua casa, E de seus avós o foro, Desaforo.
Andar um para casar, Buscando uma entre mil Senhora rica, e gentil; E entender que há-de achar Por cima disto donzela, Bagatela.
Insultar sem causa a gente, Dar empuxões em quem passa; Querer que lhe façam praça, Ser por ofício valente, Ser carrancudo e severo, Destempero.
O que consente à mulher Andar na dança aos boléus, Escrever a chichisbéus, E que lhe deixa fazer Em tudo a sua vontade, Vá ser frade.
Na de amor louca contenda Andar sempre em viva roda; Gastar nisto a vida toda, O tempo, a vida a fazenda, Depois ficar pelitrate, Disparate.
O ter sempre a mesa posta, Jogar, andar em caçadas, Ter dama, fazer jornadas, E nunca tomar resposta A quem lhe pede dinheiro, Cavalheiro.
O que tendo filha ou filho, Os vê fazer a miúdo, Este calção de veludo, Aquela rico espartilho, E mostra que não entende. Que pretende?
Sustentar doze cadelas, Um sacador, um furão, Só por numa ocasião Sair ao monte com elas E caçar coelhos poucos, É de loucos.
Ficar um filho segundo Sendo da casa embaraço; E viver como madraço Com um sossego profundo Tocando frauta ou viola, Mariola.
A viúva rica e nova, Que na igreja muito atenta Lança devota água benta De seu marido na cova Só com a ponta do dedo, Casa cedo.
A que não conhece o mês E que diz que tem catarro, Ou é velha ou come barro; Ou algum excesso fez, Que a curar-lhe leva às vezes Nove meses.
A que entende que nunca Pode amor entrar com ela, Seja ingrata, seja bela Lá lhe há-de vir a maré Em que caia a formosura De madura.
A senhora a quem o criado Descalça o sapato e meia, Se ela não é muito feia E o moço não for honrado, Faz um bucho retorcido A seu marido.
A que tem dores da madre, Que remédio aos mestres pede, Que vai ao padre da Rede, Ou toma cedo compadre E acrescenta a gente em casa, Ou se casa.
Se não é rica uma dama E estraga airosa veludos; Se acaso os homens sisudos Lhe lançam nódoas na fama Pela ver com indecência, Paciência.
A que dança de arremesso, Que faz versos e é cortês, Que joga e fala francês, Enfim mulher, que eu conheço, Seja clara, seja bela Fugir dela.
A que lê livros de amores, Que sabe deitar um mote, Que estraga olandas a cote, Que faz cortejo aos senhores, Se por milagre é donzela, Ter mão nela.
Sair sem causa da terra, Ir vagar pelas estranhas, Ir por vontade às campanhas E trazer sempre na guerra Pendente a vida de um fio, Desvario.
Ser de damas confessor E ser cónego em sé vaga, E ter quem lhe cure a chaga Do tirano e cego amor Lá muito pela escondida, Boa vida.
Servir a el-rei toda a vida, E depois em recompensa Ter trinta mil réis de tença Que é somente recebida Lá no cabo da velhice, Parvoíce.
Trazer títulos de Roma Sem primeiro ter que gaste, E ter bispo de Tagaste Sem ter já rendas que coma, Pagar a bula e gabela, Bagatela.
Uma fidalga noviça, Que quer, com grande insolência, Ser tratada de excelência, Com chinelas de cortiça E manto de tafetá, Arre lá.
Jogar de abono, e perder, E não ter com que pagar; Ter amor e ver mudar A dama que bem se quer, E não ter lenha no Inverno, É inferno.
Ministro que lê Descartes Em vez de ler por Temudo, Ou que faz na solfa estudo Mais que nos feitos das partes, Está mui bem premiado Aposentado.
No que tem filhas bonitas, E no dia dos seus anos Consente que alguns maganos Lhe façam não só visitas Mas também algum calote, Chicote.
A que bebe sem vergonha, Que toma tabaco e dança, Que do jogo não se cansa, Que é toda guapa e risonha, Se por milagre é donzela, Ter mão nela.
Ser bispo sem jurisdição, Capitão de auxiliares, Cadete nos militares, Cavalheiro de esporão, E casar-se na velhice, Parvoíce.
O que passeia montado Sobre rocim muito podre, Com xairel de pele de odre, Com teliz esfarrapado E lacaio de capote, Dom Quixote.
A que tem só um amante E lhe manda a consoada; E, se o vê fazer jornada, Nunca mais sobe ao mirante Pelo respeitar ausente, É inocente.
Ver uma dama noviça Querer ela ser senhora Tendo vindo de pastora, Que de alguém o afecto atiça Só por ter quem a sustente, Não é gente.
Ver andar de ceia em ceia Alguns, que aqui não nomeio, Ir ao jogo, ir ao passeio, E pretenderem que eu creia Que vão só tomar café, Não bofé.
Naquele que anda em carroça E pretende senhoria, Sem se lembrar que algum dia Andava seu pai de croça E sua mãe de tamanca, Boa tranca.
Letrado que atrasa a causa Com mui enredos astutos, Que lê feitos circundutos, E se passeia com pausa, Falando só no escritório, Farelório.
Mercador que faz rebates Depois de casar as filhas, Que manda navio às ilhas E não paga aos calafates Senão depois de citado, Tem quebrado.
O que nega a mão direita A todo o clérigo, e frade, E o que por mais vaidade A senhoria lhe aceita, E lhe fala impessoal, Animal.
O que namora a mulher Na igreja ou camarote; E que a deixa dar um mote Em noite de baile, e quer Que aos mais pareça discreta, É pateta.
O que vai sempre ao café, Que traz papéis no cabelo, Que dá muito ao cotovelo E que em passo de cupé Caminha pelo ladrilho, Peralvilho.
Se às vezes traz a verdade Algum dissabor consigo, Aquele que das que digo Não mostrar nunca vontade, Tenha ao menos por prudência Paciência.
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REIS |
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T.P.(Realizado Por José Nogueira dos Reis |
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Realizado por:
José Nogueira dos Reis
O Trabalho e a Personalidade. 1
Introdução ao estudo da Personalidade. 1
Breve histórico. 1
Preâmbulo. 1
Tendências Filosóficas/Psicológicas. 1
Continuação. 1
Teorias de Formação. 2
Personalistas Americanos. 2
Pensar o Homem.. 2
Levantamento Temático. 2
Vontade e Liberdade como sua Propriedade. 2
Agir incondicionalmente supõe«Liberdade de vontade». 2
A liberdade é o princípio fundamental de toda a moralidade. 2
Vocabulário ou expressões mais usadas, na linguagem Kantiana. 2
Competências Profissionais. 2
Balanço de Competências Desenvolvidas ao Longo da Vida. 2
Aquisição de Competências Sócio-Profissionais. 3
Valores Profissionais. 3
Fenómenos Psíquicos. 3
Fenómenos Psíquicos, Manifestações. 3
O Conceito da Personalidade. 3
Inquérito de Qualidades Desenvolvidas numa Empresa. 4
.As Relações de Personalidade. 4
O Reflexo das Relações Objectivas. 4
As Relações Pessoais. 4
Filo e Ontológicamente. 4
Originariamente, a palavra pessoa designava a máscara que o actor punha no rosto (latim, persona, litchina, no antigo russo, litchnost, no russo actual), passando depois a designar o actor e o seu papel: a pessoa do rei, do acusador, etc. Com o tempo a excepção da palavra estendeu-se ao mundo interior do indivíduo
Ao longo da evolução histórica, o trabalho modelou o homem; a sua acção determinante na formação da pessoa humana continua nos nossos dias. Esta é uma tese que tanto partilham filósofos e psicólogos materialistas como idealistas.
Estranho, é não abundarem trabalhos e/ou estudos interessados em mostrar as particularidades e as leis da génese das diversas qualidades da personalidade nas condições concretas do trabalho.
Materialista: Esta por sua vez cindiu-se, em duas correntes. 1ª- assenta em posições biológicas; 2ª- assenta em posições sociológicas.
Tendência idealista: è a ideia de unidade do espiritual e da pessoa, cujas raízes mergulham em Platão, que está na base da filosofia idealista moderna do personalismo.
Na teoria dos grupos e dos indivíduos no processo de trabalho define-se a exposição relativa às qualidades da personalidade e da sua co-relação com o trabalho. Deva-se ter especial atenção às qualidades que se inscrevem nos vários aspectos da estrutura funcional dinâmica da personalidade.
B. Bowne e J. Royce, fundadores do personalismo, consideram a personalidade uma substância «supra-individual», cuja mentalidade a manifesta, tanto em relação à essência física como à essência psíquica, na sua opinião, a substância da pessoa forma o «nódulo», que está rodeado de «esferas» empiricamente reconhecíveis: o temperamento, o carácter, as capacidades.
Pertencente à ordem inteligível e pensado como ser fenoménico, pode acontecer ao mesmo tempo«pois que uma coisa na ordem dos fenómenos(...)esteja submetida a certas leis, de que essa mesma coisa ou ser em si, é independente, isso não contém a mesma contradição, porque no 1º caso o homem pensa-se afectado pelos sentidos e, portanto, como pertencente ao mundo inteligível.
Boa-vontade Agir por puro respeito pela lei.
Razão prática dinamismo ou uso moral da razão.
Felicidade conjuntamente com a vontade constitui o Soberano Bem .
Respeito observância por respeito à lei; em conformidade c/a lei; por obediência à lei e não por outra razão.
Capacidade de calculo
Capacidade de raciocínio
Capacidades criativas
Capacidades directamente ligadas ao trabalho
Capacidade de comunicação
Capacidades Pessoais/Interpessoais
Humanas
Desenvolvimento Pessoal
Atitudes e Comportamento
Comunicação e Relacionamento
Motivações
Mudança
Normas, Valores e Quadros de Referência
Pessoas
Actividade Física
Bom Salário
Criatividade
Elevada Realização
Independência
Liderança
Prestigio
Risco
Segurança no Emprego
Trabalho com Pessoas
1- Processos Psíquicos
2- Estados Psíquicos
3- Propriedades Psíquicas
1- Sensações, percepções, memória, reflexão, etc.
2- Vigor, Fadiga, Actividade, Passividade, Irritabilidade, e os Diferentes Estados de Espirito
3- Estas são mais estáveis, embora sejam variadas. As modificações pela evolução biológica do homem, compreendidas entre a nascença e a velhice. Mas são sobretudo modificações quando expostas a influências das condições sociais e da educação.
Está intimamente ligado ao conceito de Ego
Total de Respostas- 233
Perseverança |
71 |
30% |
Iniciativa |
38 |
16% |
Constância no Esforço |
32 |
14% |
Coragem |
28 |
12% |
Resolução |
19 |
08% |
Organização |
13 |
06% |
Independência |
13 |
06% |
Desejo de Instrução |
12 |
05% |
Assiduidade |
07 |
03% |
Total |
233 |
100[JdFSE1]% |
Uma Relação Existe sempre em Função de Mim Mesmo.
O Animal não está em relação com o que quer que seja, não conhece qualquer relação.
Para o animal, as suas relações com os outros não existem como relações.
Pela consciência, no plano ontológico, como fenómeno psíquico.
E, no plano ontológico, como se sabe, não se pode qualificar de subjectivo, num fenómeno psíquico.
No plano ontológico, os fenómenos psíquicos, com inclusão das relações psíquicas são objectivas.
Quando conscientes, enquanto forma superior, que é pertença única do homem, das relações psíquicas, surgem num lugar onde se constituem as operações do«Eu» e do «Não-Eu».
A forma da Relação Pessoal que põe o Ego em evidência (ofensa, timidez, medo, etc.) é dado ao homem geneticamente.
A gama complexa das relações psíquicas que permitem compreender asa relações pessoais do homem no trabalho, chama-la-emos de «série genética das relações.
O ganido de um cão espancado, o bebé que deixa de chorar quando lhe mudam a fralda representam relações psíquicas extremamente primitivas.
Mas quando um cão baixa a cauda ao ver avançar um pau ou o bebé sorri ao ver aproximar-se a mãe, são relações um tanto mais complicadas incontestavelmente.
O Trabalho e a Personalidade. 1
Introdução ao estudo da Personalidade. 1
Breve histórico. 1
Preâmbulo. 1
Tendências Filosóficas/Psicológicas. 1
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Pensar o Homem.. 1
Levantamento Temático. 2
Vontade e Liberdade como sua Propriedade. 2
Agir incondicionalmente supõe«Liberdade de vontade». 2
A liberdade é o princípio fundamental de toda a moralidade. 2
Vocabulário ou expressões mais usadas, na linguagem Kantiana. 2
Competências Profissionais. 2
Balanço de Competências Desenvolvidas ao Longo da Vida. 2
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Valores Profissionais. 2
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Fenómenos Psíquicos, Manifestações. 3
O Conceito da Personalidade. 3
Inquérito de Qualidades Desenvolvidas numa Empresa. 3
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As Relações Pessoais. 4
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António Feijó |
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António Joaquim de Castro Feijó (1859-1917) nasceu em Ponte de Lima e faleceu em Estocolmo. Estudou Direito em Coimbra, ingressando na carreira diplomática. Exerceu cargos diplomáticos no Brasil e na Suécia. Casou com uma senhora sueca, que morreu prematuramente. Fundou em 1880 na cidade de Coimbra, com Luís de Magalhães, a Revista Científica e Literária. Colaborou nas revistas Arte, A Ilustração Portuguesa, O Instituto, Novidades, Museu Ilustrado, etc. Como poeta, António Feijó é habitualmente ligado ao Parnasianismo. Obras: Transfigurações (1882), Líricas e Opulentas (1884), À Janela do Ocidente (1885), Cancioneiro Chinês (1890), Ilha dos Amores (1897), Bailatas (1907), Sol de Inverno (1922), Poesias Completas de António Feijó (1940).
Versão integral do livro Sol de Inverno
SOL DE INVERNO (extracto)
CLEÓPATRA
A José Coelho da Mota Prego
Como a concha de nácar luminoso Em que Vénus surgiu, risonha e nua, A Galera vogava ao sol radioso Com a graça dum Cisne que flutua.
Soltas ao vento as velas de brocado, Ao som das Liras, sobre o rio imenso, Dos remos de oiro e de marfim sulcado, O destino do Mundo ia suspenso!
Como nuvens correndo, as horas passam; Já se divisa o porto; o Sol declina, E enquanto as velas, marinheiros, cassam, Ela que um sonho de poder domina,
Diante do espelho, a reflectir, perscruta Do seu corpo a beleza profanada, Como o rufião nocturno, antes da luta, Examinando a lâmina da espada!
António Feijó, Sol de Inverno, 1922
A LENDA DOS CISNES
A Júlio Dantas
Gedulde Dich, stilles, hoffendes Herze! Was Dir im Leben versagt ist, weil Du es nicht ertragen könntest, giebt Dir der Augenblick Deines Todes.
António Feijó, Sol de Inverno, 1922
HERDER
Da praia longínqua, na areia doirada, O Cisne pensava, fitando a Alvorada:
«Que imensa ventura, na minha mudez, Se dado me fosse cantar uma vez!
Meu canto seria, na luz do arrebol, Dos hinos mais altos à glória do Sol...
Não é das gaivotas e gansos do lago O canto que em sonhos ardentes afago;
É quando nos bosques as aves escuto Que a inveja confrange minha alma de luto.
Se a Aurora se lança do cume dos montes, Até de alegria murmuram as fontes;
Só eu, passeando o meu tédio supremo, Nem rio, nem choro, nem canto, nem gemo.
O Sol, que já vejo surgindo do Mar, Tem dó de quem, mudo, não pode cantar!»
E o Cisne, em silêncio, chorava, escutando A orquestra das aves que passam em bando.
Das águas rompia a quadriga de Apolo, E o pobre a cabeça escondia no colo...
Mas Febo detém-se nas nuvens ao vê-lo, Com feixes de raios no fulvo cabelo,
E diz-lhe, sorrindo, num halo de fogo: «No Olimpo sagrado ouviu-se o teu rogo...»
E nesse momento a Lira Sem Par Da mão luminosa deixou resvalar...
O Cisne, orgulhoso da graça divina, Da Lira de Apolo as cordas afina,
E rompe cantando... Calaram-se as fontes, Calaram-se as aves... As urzes dos montes
Tremiam de gozo a ouvi-lo cantar... E o vento sonhava na espuma do Mar.
O Cisne cantava, tirando da Lira Um hino que nunca na terra se ouvira;
Não pára, nem sente, na sua emoção, Que a vida lhe foge naquela canção.
Mas quando, entre nuvens, a tarde caía no enlevo do canto que a essa hora gemia,
E Apolo no seio de Tétis desceu, O pobre do Cisne, cantando, morreu...
Gemeram as aves; choraram as fontes; Torceu-se nas hastes a giesta dos montes,
E o mar soluçava na tarde sombria, Que o manto de luto com astros tecia.
Solícita espera-o, das águas à beira, Do Cisne, já morto, fiel companheira;
Espera que o Esposo de pronto regresse, Mas treme e suspira, que a Noite já desce...
As águas luzentes parecem-lhe, ao vê-las, Um pano de enterro picado de estrelas.
Então, no seu luto, sentindo que morre, Oceanos e praias distantes percorre;
Mergulha nas águas, coleia nas ondas, Espreita as galeras de velas redondas,
Que ao longe parece que vão a voar... E o Cisne não volta, não pode voltar!
Chorosa viúva, nas águas desliza, Levada na fresca salsugem da brisa...
No seu abandono nem sente canseira; Caminha, caminha, fiel companheira,
Chorando o perdido, desfeito casal... Tão funda era a mágoa, tão grande o seu mal,
Que o peito sentindo de dor estalar, De dor e de angústia começa a cantar!
E canta com tanta ternura e paixão, Que a Vida lhe foge naquela canção.
As aves despertam; calaram-se as fontes Nas hastes tremiam as urzes dos montes;
A Lua escutava; detinha-se a Aurora, E as vagas gemiam no vento que chora...
Na terra, no espaço, nos astros, no céu, Mais alta harmonia ninguém concebeu;
E os Deuses recebem, ouvindo-a, a chorar, A alma do Cisne que expira a cantar...
Desde esse momento, no Olimpo onde entraram, Em honra dos Cisnes que tanto se amaram,
Das almas que foram leais e sinceras, se Vénus se mostra, surgindo da bruma, São eles que tiram, nas altas esferas, A concha de nácar, cercada de espuma...
António Feijó, Sol de Inverno, 1922
O AMOR E O TEMPO
Pela montanha alcantilada Todos quatro em alegre companhia, O Amor, o Tempo, a minha Amada E eu subíamos um dia.
Da minha Amada no gentil semblante Já se viam indícios de cansaço; O Amor passava-nos adiante E o Tempo acelerava o passo.
«Amor! Amor! mais devagar! Não corras tanto assim, que tão ligeira Não corras tanto assim, que tão ligeira Não pode com certeza caminhar A minha doce companheira!»
Súbito, o Amor e o Tempo, combinados, Abrem as asas trémulas ao vento... «Por que voais assim tão apressados? Onde vos dirigis?» Nesse momento.
Volta-se o Amor e diz com azedume: «Tende paciência, amigos meus! Eu sempre tive este costume De fugir com o Tempo... Adeus! Adeus!»
António Feijó, Sol de Inverno, 1922
TIMIDEZ DE AMOR
Perguntas donde vem a timidez estranha, Este quase terror com que te falo e escuto, Como se a sombra hostil duma grande montanha, Que se erguesse entre nós, me cobrisse de luto.
Ignoras a razão deste absurdo respeito Com que te beijo a mão, que estendes complacente, Fria do ardor que tens concentrado no peito, Que mão fria é sinal de coração ardente.
E admiras-te de ver que os olhos baixo e tremo, Se passas como um sol de plantas cercado Sem dar mostras sequer desse orgulho supremo De quem se sente eleito entre todos, e amado!
Não podes conceber que uma paixão tão alta Se vista de recato ou de pudor mesquinho... Mas, se é sincero, o Amor só a ocultas se exalta, Faz se tanto maior quanto é discreto o ninho.
E tudo o que crês fingida gravidade É uma íntima oblação, pois nas almas piedosas O Verdadeiro Amor é feito de humildade: Sobre o anel nupcial não há pedras preciosas.
António Feijó, Sol de Inverno, 1922
EU E TU...
Dois! Eu e Tu, num ser indissolúvel! Como Brasa e carvão, centelha e lume, oceano e areia, Aspiram a formar um todo, em cada assomo A nossa aspiração mais violenta se ateia...
Como a onda e o vento, a lua e a noite, o orvalho e a selva, O vento erguendo a vaga, o luar doirando a noite, Ou o orvalho inundando as verduras da relva Cheio de ti, meu ser d'eflúvios impregnou-te!
Como o lilás e a terra onde nasce e floresce, O bosque e o vendaval desgrenhando o arvoredo, O vinho e a sede, o vinho onde tudo se esquece, Nós dois, d'amor enchendo a noite do degredo,
Como parte dum todo, em amplexos supremos Fundindo os corações no ardor que nos inflama, Para sempre um ao outro, Eu e Tu pertencemos, Como se eu fosse o lume e tu fosses a chama.
António Feijó, Sol de Inverno, 1922
FÁBULA ANTIGA
No princípio do mundo o Amor não era cego; Via mesmo através da escuridão cerrada Com pupilas de Lince em olhos de Morcego.
Mas um dia, brincando, a Demência, irritada, Num ímpeto de fúria os seus olhos vazou; Foi a Demência logo às feras condenada,
Mas Júpiter, sorrindo, a pena comutou. A Demência ficou apenas obrigada A acompanhar o Amor, visto que ela o cegou,
Como um pobre que leva um cego pela estrada. Unidos desde então por invisíveis laços Quando a Amor empreende a mais simples jornada, Vai a Demência adiante a conduzir-lhe os passos
António Feijó, Sol de Inverno, 1922
Para o texto integral, clique aqui
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