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História Concisa da Filosofia Ocidental, de Anthony Kenny
História Concisa da Filosofia Ocidental, de Anthony Kenny

 


Tradução de Desidério Murcho, Fernando Martinho, Maria José Figueiredo, Pedro Santos e Rui Cabral
Revisão Científica de Desidério Murcho
Temas & Debates, Outubro 1999, 460 pp.
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As ciências teóricas de Aristóteles
Anthony Kenny

Ciência e explicação

Aristóteles contribuiu para o desenvolvimento de muitas ciências, mas, em retrospectiva, percebe-se que o valor desse contributo foi bastante desigual. A sua química e a sua física são muito menos impressionantes do que as suas investigações no domínio das ciências da vida. Em parte porque não possuía relógios precisos nem qualquer tipo de termómetro, Aristóteles não tinha consciência da importância da medição da velocidade e da temperatura. Ao passo que os seus escritos zoológicos continuavam a ser considerados impressionantes pelo próprio Darwin, a sua física estava já ultrapassada no século vi d. C.

Em obras como Da Geração e Corrupção e Do Céu, Aristóteles legou aos seus sucessores uma imagem do mundo que incluía muitos traços herdados dos seus predecessores pré-socráticos. Adoptou os quatro elementos de Empédocles: terra, água, ar e fogo, caracterizado cada um deles por um único par de qualidades primárias, calor, frio, humidade e secura. Cada elemento tinha o seu lugar natural no cosmos ordenado, em direcção ao qual tinha tendência para ir por meio de um movimento característico; assim, os sólidos terrestres caíam, enquanto o fogo se erguia cada vez mais alto. Cada um desses movimentos era natural ao seu elemento; existiam outros, mas eram «violentos». (Mantemos hoje um vestígio desta distinção aristotélica quando contrastamos a «morte natural» com a «morte violenta».) A Terra ocupava o centro do universo: em seu torno, uma sucessão de esferas cristalinas concêntricas sustentavam a Lua, o Sol e os planetas nas suas viagens ao longo dos céus. Mais distante, uma outra esfera sustentava as estrelas fixas. Os corpos celestes não continham os quatro elementos terrestres; eram antes constituídos por um quinto elemento, ou quintessência. Além de corpos, possuíam almas: intelectos vivos divinos que guiavam as suas viagens ao longo do céu. Estes intelectos eram responsáveis pelo movimento, estando eles próprios em movimento, e por detrás deles, afirmava Aristóteles, deveria existir uma fonte de movimento, estando ela própria, no entanto, imóvel. Era a divindade última e imutável que punha em movimento todos os outros seres «em resultado do amor»  o mesmo amor que, nas últimas palavras do Paraíso de Dante, movia o Sol e as primeiras estrelas.

Mesmo o melhor dos estudos científicos de Aristóteles possui hoje um interesse meramente histórico; em vez de registar as suas teorias em pormenor, passarei a descrever a noção de ciência que sustenta todas as suas investigações nos diversos domínios. A concepção aristotélica de ciência pode ser resumida se dissermos que era empírica, explicativa e teleológica.

A ciência começa pela observação. No decurso das nossas vidas apercebemo-nos das coisas com os nossos sentidos, recordamo-las, construímos um corpo de experiências. Os nossos conceitos são retirados da nossa experiência; na ciência, a observação tem primazia sobre a teoria. Embora, no seu estado de maturidade, se possa fixar e transmitir a ciência por meio da forma axiomática descrita nos Analíticos Posteriores, torna-se evidente, pelos trabalhos pormenorizados de Aristóteles, que a ordem da descoberta é diferente da ordem da exposição.

Se a ciência começa com a percepção sensorial, termina com o conhecimento intelectual, que Aristóteles vê como possuindo um carácter especial de necessidade. As verdades necessárias são como as verdades imutáveis da aritmética: dois mais dois são quatro, sempre assim foi e sempre assim será. Opõem-se-lhes as verdades contingentes, tais como a verdade de os gregos terem vencido uma grande batalha naval em Salamina; algo que poderia ter acontecido de outro modo. Parece estranho afirmar, como Aristóteles, que aquilo que é conhecido tem de ser necessário: não será que podemos ter também conhecimento de factos contingentes da experiência, tais como o de Sócrates ter bebido a cicuta? Houve quem julgasse que Aristóteles estava a argumentar, falaciosamente, partindo da verdade

Necessariamente, se p é conhecida, p é verdadeira.

para

Se p é conhecida, p é necessariamente verdadeira.

o que não é de modo algum a mesma coisa. (É uma verdade necessária que se eu sei que há uma mosca na minha sopa, há uma mosca na minha sopa. Mas, mesmo que eu saiba que há uma mosca na minha sopa, não é necessariamente verdade que haja uma mosca na minha sopa: posso tirá-la de lá.) Mas talvez Aristóteles estivesse a definir a palavra grega para «conhecimento» de modo a restringir-se ao conhecimento científico. É uma hipótese muito mais plausível, especialmente se levarmos em linha de conta que, para Aristóteles, as verdades necessárias não se restringem às verdades da lógica e da matemática, mas incluem todas as proposições universalmente verdadeiras, ou mesmo «verdadeiras na sua maior parte». Mas a consequência  que seria certamente aceite por Aristóteles  de que a história não pode ser uma ciência, já que lida com acontecimentos individuais, mantém-se.

A ciência é, pois, empírica; é também explicativa, no sentido em que é uma procura de causas. No léxico filosófico incluído na sua Metafísica, Aristóteles distingue quatro tipos de causas ou explicações. Em primeiro lugar, afirma, há aquilo de que as coisas são feitas, e a partir da qual são feitas, tal como o bronze de uma estátua ou as letras de uma sílaba. A isto chama causa material. Depois, há a forma e o padrão de uma coisa, que podem ser expressos na definição da mesma; Aristóteles fornece-nos um exemplo: o comprimento proporcional de duas cordas de uma lira é a causa de uma ser a oitava da outra. O terceiro tipo de causa é a origem de uma mudança ou estado de repouso em qualquer coisa: Aristóteles dá como exemplos uma pessoa que toma uma decisão, um pai que gera uma criança, e em geral todos os que fazem ou alteram uma coisa. O quarto e último tipo de causa é o fim ou objectivo, aquilo em virtude do qual se faz algo; é o tipo de explicação que damos quando nos perguntam por que motivo estamos a passear e nós respondemos «para manter a boa forma».

O quarto tipo de causa (a «causa final») tem um papel muito importante na ciência aristotélica. Aristóteles investiga as causas finais não só da acção humana, como também do comportamento animal («Por que razão tecem as aranhas teias?») e dos seus traços estruturais («Por que razão têm os patos membranas interdigitais?»). Existem causas finais também para a actividade das plantas (tais como a pressão descendente das raízes) e dos elementos inanimados (tais como o impulso ascendente das chamas). Às explicações deste tipo chamamos «teleológicas», a partir da palavra grega telos, que significa fim ou causa final. Ao procurar explicações teleológicas, Aristóteles não atribui intenções a objectos inconscientes ou inanimados, nem está a pensar em termos de um Arquitecto Supremo. Está, sim, a enfatizar a função de diversas actividades e estruturas. Uma vez mais, estava mais inspirado na área das ciências da vida do que na química e na física. Até mesmo os biólogos posteriores a Darwin continuam a procurar incessantemente a função, ao passo que ninguém, depois de Newton, se lembrou de procurar uma explicação teleológica para o movimento dos corpos inanimados.

Palavras e Coisas

Ao contrário do seu trabalho nas ciências empíricas, há aspectos da filosofia teórica de Aristóteles que podem ainda ter muito para nos ensinar. Merecem especial destaque as suas afirmações acerca da natureza da linguagem, da natureza da realidade e da relação entre as duas.

Nas suas Categorias, Aristóteles apresenta uma lista dos diferentes tipos de coisas que podem afirmar-se a propósito de um indivíduo. Essa lista contém 10 artigos: substância, quantidade, qualidade, relação, espaço, tempo, postura, vestuário, actividade e passividade. Faria sentido dizer, por exemplo, que Sócrates era um ser humano (substância), que media 1,50 m (quantidade), que era talentoso (qualidade), que era mais velho que Platão (relação), que vivia em Atenas (espaço), que era um homem do século v a. C. (tempo), que estava sentado (postura), que envergava uma capa (vestuário), que estava a cortar um pedaço de tecido (actividade) e que foi morto por envenenamento (passividade). Esta não é uma simples classificação de predicados verbais: cada tipo de predicado irredutivelmente diferente, pensava Aristóteles, representa um tipo de entidade irredutivelmente diferente. Em «Sócrates é um homem», por exemplo, a palavra «homem» representa uma substância, nomeadamente Sócrates. Em «Sócrates foi envenenado», a palavra «envenenado» representa uma entidade chamada «passividade», nomeadamente o envenenamento de Sócrates. Aristóteles pensava provavelmente que qualquer entidade possível, fosse qual fosse a sua classificação inicial, seria, em última análise, atribuível a uma e apenas uma das 10 categorias. Assim, Sócrates é um homem, um animal, um ser vivo e, em última análise, uma substância; o crime cometido por Egisto é um assassinato, um homicídio, um acto de matar e, em última análise, uma actividade.

A categoria da substância é de importância primordial. As substâncias são coisas como mulheres, leões e couves, que podem ter uma existência independente e ser identificados como indivíduos de uma espécie particular; uma substância é, na despretensiosa expressão de Aristóteles, «um isto que é tal e tal»  este gato ou esta cenoura. As coisas que pertencem às outras categorias (às quais os sucessores de Aristóteles iriam chamar «acidentes») não são independentes; um tamanho, por exemplo, é sempre o tamanho de qualquer coisa. Os artigos das categorias «acidentais» existem apenas enquanto propriedades ou modificações de substâncias.

As categorias de Aristóteles não parecem ser exaustivas, e o seu grau de importância parece bastante desigual. Mas, mesmo que as aceitemos como uma possível classificação de predicados, será correcto considerar que um predicado representa qualquer coisa? Se «Sócrates corre» for verdadeira, deverá «corre» representar uma entidade de qualquer tipo, tal como «Sócrates» representa Sócrates? Mesmo que digamos que sim, é evidente que tal entidade não pode ser o significado da palavra «corre». Pois «Sócrates corre» faz sentido, mesmo sendo uma afirmação falsa; e por isso «corre» significa algo, mesmo que não exista aquilo que representa  neste caso, a corrida de Sócrates.

Se considerarmos uma frase como «Sócrates é branco», podemos, segundo Aristóteles, pensar em «branco» como algo que representa a brancura de Sócrates. Nesse caso, o que representa o «é»? Parecem existir diversas respostas possíveis a esta pergunta. a) Podemos dizer que não representa coisa alguma, limitando-se a marcar a relação entre sujeito e predicado. b) Podemos dizer que representa a existência, no sentido em que se Sócrates é branco, é porque existe qualquer coisa  talvez o Sócrates branco, ou talvez a brancura de Sócrates  que não existiria se Sócrates não fosse branco. c) Podemos dizer que representa o ser, entendendo-se «ser» como um infinitivo substantivado como «correr». Se escolhermos esta última resposta, parece ser necessário acrescentar que existem diversos tipos de ser: o ser denotado pelo «é» de um predicado substancial como «¼ é um cavalo» é um ser substancial, enquanto o ser denotado pelo «é» de um predicado acidental como «¼ é branco» é um ser acidental. Em textos diferentes, Aristóteles parece ter privilegiado ora uma, ora outra interpretação. A sua preferida é talvez a terceira. Nas passagens onde a expressa, retira dela a consequência de que o «ser» é um verbo de múltiplos significados, um termo homónimo com mais de um sentido (tal como «saudável» possui sentidos diferentes, mas relacionados, quando falamos de uma pessoa saudável, de uma pele saudável e de um clima saudável).

Afirmei anteriormente que, em «Sócrates é um homem», «homem» é um predicado da categoria da substância que representa a substância Sócrates. Mas esta não é a única análise que Aristóteles faz de uma frase deste género. Por vezes, esse «homem» parece representar antes a humanidade que Sócrates possui. Em tais contextos, Aristóteles distingue dois sentidos de «substância». Um este tal e tal  por exemplo, este homem, Sócrates  é uma substância primeira; a humanidade que ele possui é uma substância segunda. Quando fala nestes termos, Aristóteles esforça-se geralmente por evitar os universais do platonismo. A humanidade que Sócrates possui é uma humanidade individual, a humanidade própria de Sócrates; não é uma humanidade universal da qual todos os homens participem.

Movimento e Mudança

Uma das razões pelas quais Aristóteles rejeitou a Teoria das Ideias de Platão foi porque esta, tal como a metafísica eleática, negava de modo fundamental a realidade da mudança. Tanto na Física como na Metafísica, Aristóteles apresenta uma teoria da natureza da mudança concebida para enfrentar e desarmar o desafio de Parménides e Platão. Trata-se da sua doutrina do acto e potência.

Se considerarmos uma substância, como por exemplo um pedaço de madeira, descobrimos uma série de coisas verdadeiras no que respeita a essa substância num determinado momento, e uma série de outras coisas que, não sendo verdadeiras no que a ela diz respeito nesse momento determinado, poderão vir a sê-lo noutro momento. Assim, a madeira, apesar de ser fria agora, pode ser aquecida e transformada em cinza mais tarde. Aristóteles chamou «acto» àquilo que uma substância é, e «potência» àquilo que uma substância pode vir a ser: assim, a madeira está fria em acto mas quente em potência, é madeira em acto mas cinza em potência. A mudança do estado frio para o quente é uma mudança acidental que a substância pode sofrer sem deixar de ser a substância que é; a mudança do estado madeira para o estado cinza é uma mudança substancial em que ocorre uma mudança da própria substância. Em português podemos dizer, muito grosseiramente, que os predicados que contêm a palavra «pode», ou qualquer palavra com um sufixo modal como «ável» ou «ível», significam potência; os predicados que não contêm essas palavras significam acto. A potência, em contraste com o acto, é a capacidade de uma coisa para sofrer uma mudança de qualquer tipo, seja através da sua própria acção, seja através da acção de qualquer outro agente.

Os actos envolvidos em mudanças chamam-se «formas», e o termo «matéria» é utilizado como um termo técnico para designar aquilo que possui a capacidade para sofrer uma mudança substancial. Na nossa vida quotidiana, estamos familiarizados com a ideia de que uma e a mesma parcela de um ingrediente pode ser primeiro uma coisa e depois outro tipo de coisa. Uma garrafa contendo um quartilho de natas, depois de agitada, poderá conter manteiga e não natas. Aquilo que sai da garrafa é a mesma coisa que entrou: nada lhe foi retirado nem acrescentado. Contudo, aquilo que sai é diferente em género daquilo que foi introduzido. O conceito aristotélico de mudança substancial é derivado de casos como este.

A mudança substancial ocorre quando uma substância de um certo tipo se transforma numa substância de outro tipo. Aristóteles chama matéria àquilo que permanece a mesma coisa ao longo da mudança. A matéria assume primeiro uma forma e depois outra. Uma coisa pode mudar sem deixar de pertencer ao mesmo género natural, por meio de uma mudança que não pertence à categoria da substância, mas a qualquer uma das outras nove categorias: assim, um ser humano pode crescer, aprender, corar e ser subjugado sem deixar de ser humano. Quando uma substância sofre uma mudança acidental retém sempre uma forma ao longo da mudança, nomeadamente a sua forma substancial. Um homem pode ser primeiro P e depois Q, mas podemos sempre aplicar-lhe correctamente o predicado «¼ é um homem». E quanto à mudança substancial? Quando um pedaço de matéria é primeiro A e depois B, haverá algum predicado na categoria da substância, «¼ é C», que possamos sempre aplicar correctamente a essa matéria? Em muitos casos, não há dúvida de que existe tal predicado: quando o cobre e o estanho se transformam em bronze, a matéria em mudança nunca deixa de ser metal ao longo do processo. Contudo, não parece ser necessário que tal predicado deva existir em todos os casos; parece logicamente concebível que possa existir matéria que seja primeiro A e depois B sem que exista qualquer predicado substancial que possamos aplicar-lhe sempre correctamente. Em todo o caso, Aristóteles era dessa opinião; e chamou «matéria-prima» ao-que-é-primeiro-uma-coisa-e-depois-outra-sem-ser-coisa-alguma-o-tempo-todo.

A forma faz as coisas pertencerem a uma categoria particular; e, segundo Aristóteles, aquilo que faz as coisas serem indivíduos dessa categoria particular é a matéria. No dizer dos filósofos, a matéria é o princípio de individuação das coisas materiais. Isto significa, por exemplo, que duas ervilhas do mesmo tamanho e forma, por muito semelhantes que sejam, por mais propriedades ou formas que possam ter em comum, são duas ervilhas e não uma, porque correspondem a duas diferentes parcelas de matéria.

Não deve entender-se a matéria e a forma como partes de corpos, como elementos a partir dos quais os corpos são feitos ou peças dos quais possam ser retiradas. A matéria-prima não poderia existir sem forma: não precisa de assumir uma forma específica, mas tem de assumir uma forma qualquer. As formas dos corpos mutáveis são todas formas de corpos particulares; é inconcebível que exista uma qualquer forma que não seja a forma de um qualquer corpo. A não ser que queiramos cair no platonismo que Aristóteles explicitamente rejeitou com frequência, devemos aceitar que as formas são logicamente incapazes de existir sem os corpos dos quais são as formas. De facto, as formas nem existem em si próprias, nem são geradas do modo como as substâncias existem e são geradas. As formas, ao contrário dos corpos, não são feitas de coisa alguma; dizer que existe uma forma de A significa apenas que existe uma substância que é A; dizer que existe uma forma de cavalidade significa apenas que existem cavalos.

A doutrina da matéria e da forma é uma explicação filosófica de certos conceitos que empregamos na nossa descrição e manipulação quotidianas das substâncias materiais. Mesmo aceitando que a definição é filosoficamente correcta, fica ainda a questão: o conceito que procura clarificar terá realmente um papel a desempenhar numa explicação científica do universo? É sabido que aquilo que na cozinha parece uma mudança substancial de entidades macroscópicas possa surgir-nos no laboratório como uma mudança acidental de entidades microscópicas. A questão de saber se uma noção como a de matéria-prima possui, a um nível fundamental, qualquer aplicação à física, onde falamos de transições entre matéria e energia, continua a ser uma questão de opinião.

A forma é um tipo particular de acto, e a matéria um tipo particular de potência. Aristóteles pensava que a sua distinção entre acto e potência constituía uma alternativa à dicotomia entre Ser e Não-Ser, sobre a qual se apoiava a rejeição parmenídea da mudança. Uma vez que a matéria estava subjacente e sobrevivia a todas as mudanças, fossem substanciais ou acidentais, não se punha a hipótese de o Ser se tornar Não-Ser, ou de algo surgir a partir do nada. Uma das consequências desta explicação aristotélica, contudo, foi a ideia de que a matéria não poderia ter tido um princípio. Séculos mais tarde, isto colocaria um problema aos aristotélicos cristãos que acreditavam na criação do mundo material a partir do nada.

Alma, Sentidos e Intelecto

Uma das aplicações mais interessantes da doutrina da matéria e da forma de Aristóteles pode encontrar-se nos seus estudos de psicologia, nomeadamente no tratado Da Alma. Para Aristóteles, os homens não são os únicos seres que possuem alma ou psique; todos os seres vivos a possuem, desde as margaridas e moluscos aos seres mais complexos. Uma alma é simplesmente um princípio de vida: é a fonte das actividades próprias de cada ser vivo. Diferentes seres vivos possuem diferentes capacidades: as plantas crescem e reproduzem-se, mas não podem mover-se nem ter sensações; os animais têm percepção, sentem prazer e dor; alguns podem mover-se, mas não todos; alguns animais muito especiais, nomeadamente os seres humanos, conseguem também pensar e compreender. As almas diferem de acordo com estas diferentes actividades, por meio das quais se exprimem. A alma é, segundo a definição mais geral que Aristóteles nos apresenta, a forma de um corpo orgânico.

Tal como uma forma, uma alma é um acto de um tipo particular. Neste ponto, Aristóteles introduz uma distinção entre dois tipos de acto. Uma pessoa que não saiba falar grego encontra-se num estado de pura potência no que diz respeito à utilização dessa língua. Aprender grego é passar da potência ao acto. Porém, uma pessoa que tenha aprendido grego, mas que ao longo de um determinado tempo não faça uso desse conhecimento, encontra-se num estado simultâneo de acto e potência: acto em comparação com a posição de ignorância inicial, potência em comparação com alguém que esteja a falar grego. Ao simples conhecimento do grego, Aristóteles chama «acto primeiro»; ao facto de se falar grego chama «acto segundo». Aristóteles utiliza esta distinção na sua descrição da alma: a alma é o acto primeiro de um corpo orgânico. As operações vitais das criaturas vivas são actos segundos.

A alma aristotélica não é, enquanto tal, um espírito. Não é, de facto, um objecto tangível; mas isso resulta do facto de ser (como todos os actos primeiros) uma potência. O conhecimento do grego também não é um objecto tangível; mas não é, por isso, algo de fantasmagórico. Se há almas capazes, no seu conjunto ou em parte, de existirem sem um corpo  questão sobre a qual Aristóteles teve dificuldade em formar uma opinião  tal existência independente será possível não por serem simplesmente almas, mas por serem almas de um tipo particular com actividades vitais especialmente poderosas.

Aristóteles fornece descrições biológicas muito concretas das actividades da nutrição, crescimento e reprodução que são comuns a todos os seres vivos. O tema torna-se mais complicado, e mais interessante, quando procura explicar a percepção sensorial (específica dos animais superiores) e o pensamento intelectual (específico do ser humano).

Ao explicar a percepção sensorial, Aristóteles adapta a definição do Teeteto de Platão segundo a qual a sensação é o resultado de um encontro entre uma faculdade sensorial (como a visão) e um objecto sensorial (como um objecto visível). Contudo, para Platão, a percepção visual de um objecto branco e a brancura do próprio objecto são dois gémeos com origem na mesma relação; ao passo que, para Aristóteles, o ver e o ser visto são uma e a mesma coisa. Este último propõe a seguinte tese geral: uma faculdade sensorial em acto é idêntica a um objecto sensorial em acto.

Esta tese aparentemente obscura é outra aplicação da teoria aristotélica do acto e da potência. Permita-se-me ilustrar o seu significado por meio do exemplo do paladar. A doçura de um torrão de açúcar, algo que pode ser saboreado, é um objecto sensorial, e o meu sentido do paladar, a minha capacidade para saborear, é uma faculdade sensorial. A operação do meu sentido do paladar sobre o objecto sensível é a mesma coisa que a acção do objecto sensorial sobre o meu sentido. Ou seja, o facto de o açúcar ter um sabor doce para mim é uma e a mesma coisa que o facto de eu saborear a doçura do açúcar. O açúcar em si é sempre doce; mas só quando o coloco na boca a sua doçura passa de potência a acto. (Ser doce é um acto primeiro; saber a doce, um acto segundo.)

O sentido do paladar não é mais do que o poder para saborear, por exemplo, a doçura dos objectos doces. A propriedade sensorial da doçura não é mais do que ter um sabor doce para aquele que saboreia. Assim, Aristóteles tem razão quando afirma que a propriedade em acção é uma e a mesma coisa que a faculdade em operação. Claro que o poder para saborear e o poder para ser saboreado são duas coisas muito diferentes, a primeira relativa àquele que saboreia, e a segunda relativa ao açúcar.

Este tratamento da percepção sensorial é superior ao de Platão porque nos permite afirmar que as coisas do mundo possuem de facto qualidades sensoriais, mesmo quando não são percepcionadas. As coisas que não estão a ser vistas são realmente coloridas, e o mesmo se aplica aos cheiros e aos sons, que existem independentemente do facto de serem ou não percepcionados. Aristóteles pode afirmá-lo porque a sua análise do acto e da potência lhe permite explicar que as qualidades sensoriais são de facto poderes de um determinado tipo.

Aristóteles serve-se também desta teoria quando lida com as capacidades racionais e intelectuais da alma humana, fazendo uma distinção entre os poderes naturais, como o poder de queimar do fogo, e os poderes racionais, como a capacidade de falar grego. E defende que se todas as condições necessárias para o exercício de um poder natural estiverem presentes, esse poder será necessariamente exercido. Se pusermos um pedaço de madeira, adequadamente seco, sobre uma fogueira, o fogo queimá-lo-á; não há alternativa. Contudo, tal não acontece com os poderes racionais, que podem ser exercidos ou não, de acordo com a vontade do sujeito. Um médico que possua o poder para curar pode negar-se a exercitá-lo se o seu paciente for insuficientemente rico; pode até utilizar os seus talentos médicos para envenenar o paciente, em vez de o curar. A teoria dos poderes racionais de Aristóteles será usada para explicar o livre-arbítrio humano por muitos dos seus sucessores.

A doutrina de Aristóteles sobre os poderes intelectuais da alma é algo inconstante. Por vezes, o intelecto é apresentado como parte da alma; por conseguinte, e uma vez que a alma é a forma do corpo, o intelecto assim concebido deverá morrer com o corpo. Noutros pontos, Aristóteles argumenta que, sendo o intelecto capaz de apreender verdades necessárias e eternas, deverá ser em si mesmo, por afinidade, qualquer coisa de independente e indestrutível; e a dada altura sugere que a capacidade para pensar é algo de divino e exterior ao corpo. Finalmente, numa passagem desconcertante, objecto de intermináveis discussões ao longo dos séculos que se seguiriam, Aristóteles parece dividir o intelecto em duas faculdades, uma perecível e a outra imperecível:

O pensamento, tal como o descrevemos, é aquilo que é em virtude de poder tornar-se todas as coisas; ao passo que existe algo que é o que é em virtude de poder fazer todas as coisas: trata-se de uma espécie de estado positivo como a luz; pois, num certo sentido, a luz transforma as cores em potência em cores em acto. Neste sentido, o pensamento é separável, não passivo e puro, sendo essencialmente acto. E quando separado é exactamente aquilo que é, e só ele é imortal e eterno.

A característica do intelecto humano que terá por vezes levado Aristóteles a entendê-lo como separado do corpo e divino é a sua capacidade para o estudo da filosofia e, especialmente, da metafísica; e por isso temos de explicar finalmente de que modo Aristóteles entendia a natureza desta sublime disciplina.

Metafísica

«Há uma disciplina», escreve Aristóteles no quarto livro da sua Metafísica, «que teoriza sobre o Ser enquanto ser e sobre as coisas que pertencem ao Ser tomado em si mesmo.» A esta disciplina chama Aristóteles «filosofia primeira», definindo-a noutro texto como o conhecimento dos primeiros princípios e das causas supremas. As outras ciências, afirma, lidam com um tipo de ser particular, mas a ciência do filósofo diz respeito ao Ser universalmente e não apenas parcialmente. Noutras obras, contudo, Aristóteles parece restringir o objecto da filosofia primeira a um tipo particular de ser, nomeadamente a uma substância divina, independente e imutável. Existem três filosofias teóricas, afirma ele num outro texto: a matemática, a física e a teologia; e a primeira e mais digna das filosofias é a teologia. A teologia é a melhor das ciências teóricas porque lida com os seres mais dignos; precede a física e a filosofia natural, sendo mais universal do que elas.

Ambos os conjuntos de definições até ao momento considerados tratam a filosofia primeira como dizendo respeito ao Ser ou aos seres; diz-se também que é a ciência da substância ou substâncias. Em determinado ponto, Aristóteles afirma que a velha questão «O que é o Ser?» equivale à questão «O que é a substância?» Assim, a filosofia primeira pode ser considerada a teoria da substância primeira e universal.

Serão todas estas definições do objecto de estudo da filosofia equivalentes ou mesmo compatíveis? Alguns historiadores, considerando-as incompatíveis, atribuíram os diferentes tipos de definições a diferentes períodos da vida de Aristóteles. Mas, com algum esforço, podemos mostrar que é possível conciliá-las.

Antes de perguntarmos o que é o Ser enquanto ser, precisamos de esclarecer o que é o Ser. Aristóteles utiliza a expressão grega to on do mesmo modo que Parménides: o Ser é seja o que for que é seja lá o que for. Sempre que Aristóteles explica os sentidos de «to on», fá-lo explicando o sentido de «einai», o verbo «ser». O Ser, no seu sentido mais lato, é tudo o que possa surgir, numa qualquer frase verdadeira, antes da forma verbal «é». Segundo esta perspectiva, uma ciência do ser não seria tanto uma ciência daquilo que existe, mas antes uma ciência da predicação verdadeira.

Todas as categorias, diz-nos Aristóteles, exprimem o ser, porque qualquer verbo pode ser substituído por um predicado que contenha o verbo «ser»: «Sócrates corre», por exemplo, pode ser substituído por «Sócrates é um corredor». E todo o ser em qualquer categoria que não a da substância é uma propriedade ou modificação da substância. Isto significa que sempre que temos uma frase sujeito-verbo na qual o sujeito não seja um termo para uma substância, podemos transformá-la numa outra frase sujeito-verbo na qual o termo sujeito denota realmente uma substância  uma substância primeira, como um homem ou uma couve particulares.

Para Aristóteles, assim como para Parménides, é um erro equiparar simplesmente o ser à existência. Quando discute, na Metafísica, os sentidos de «ser» e «é» do seu léxico filosófico, Aristóteles nem sequer refere a existência como um dos sentidos do verbo ser, uma utilização que deverá distinguir-se da utilização do verbo com um complemento num predicado, tal como em «ser um filósofo». Isto surpreende-nos, já que ele próprio parece fazer essa distinção em livros anteriores. Nas Refutações Sofísticas, para contradizer a falácia segundo a qual aquilo em que se pensa deve existir para ser pensado, Aristóteles distingue entre «ser F», no qual ao verbo se segue um predicado (por exemplo, «ser pensado»), e apenas «ser». Aristóteles toma uma posição semelhante em relação ao ser F daquilo que deixou de ser, sem mais: por exemplo, de «Homero é um poeta» não se segue que Homero é.

Será talvez um erro procurar na obra de Aristóteles um só tratamento da existência. Quando os filósofos levantam questões a propósito das coisas que realmente existem e daquelas que não existem, é possível que tenham em mente três contrastes diferentes: entre o abstracto e o concreto (por exemplo, sabedoria versus Sócrates), entre o ficcional e o factual (por exemplo, Pégaso versus Bucéfalo) e entre o existente e o defunto (por exemplo, a Grande Pirâmide versus o Colosso de Rodes). Aristóteles lida com os três problemas em obras diferentes. Lida com o problema das abstracções quando discute os acidentes: são sempre modificações da substância. Qualquer afirmação sobre abstracções (como cores, acções, mudanças) deve ser analisável como uma afirmação sobre substâncias primeiras concretas. Lida com o problema do ficcional conferindo ao «é» o sentido de «é verdadeiro»: uma ficção é um pensamento genuíno, mas não é (ou seja, não é um pensamento verdadeiro). O problema sobre o existente e o defunto, que lida com as coisas que existem e aquelas que deixaram de existir, é resolvido pela aplicação da doutrina da matéria e da forma. Neste sentido, existir é ser matéria sob uma certa forma, é ser uma coisa de certa categoria: Sócrates deixa de existir ao deixar de ser um ser humano. Para Aristóteles, o Ser inclui qualquer coisa que exista de uma destas três maneiras.

Se o Ser é isso, o que é então o Ser enquanto Ser? A resposta é que não existe tal coisa. É certamente possível estudar o Ser enquanto ser e procurar as causas do mesmo. Mas isto é entrar num tipo de estudo especial, procurar um tipo de causa especial. Não é estudar um tipo de Ser especial nem procurar as causas de um tipo de Ser especial. Mais do que uma vez, Aristóteles insistiu em que «Um A enquanto F é G» deve ser entendido como um sujeito A e um predicado «é, enquanto F, G». Não deve ser entendido como consistindo num predicado «é G» que está ligado ao sujeito Um-A-enquanto-F. Eis um dos seus exemplos: «Um bem pode ser conhecido como bem» não deve ser analisado como «um bem como bem pode ser conhecido», porque «um bem como bem» é uma expressão destituída de sentido.

Mas se «A enquanto F» é um pseudo-sujeito em «Um A enquanto F é G», também «A enquanto F» é um pseudo-objecto em «Nós estudamos A enquanto F». O objecto desta frase é A, e o verbo é «estudamos enquanto F». Estamos a falar não do estudo de um tipo particular de objecto, mas de um tipo particular de estudo, um estudo que procura tipos particulares de explicações e causas, causas enquanto F. Por exemplo, quando estudamos fisiologia humana, estudamos os homens enquanto animais, ou seja, estudamos as estruturas e funções que os homens têm em comum com os animais. Não existe um objecto que seja um homem enquanto animal, e seria um disparate perguntar se todos os homens, ou se apenas alguns especialmente embrutecidos, serão homens enquanto animais. É igualmente disparatado perguntar se o Ser enquanto Ser significa todos os seres ou apenas alguns seres especialmente divinos.

Contudo, podemos estudar qualquer ser do ponto de vista particular do ser, ou seja, podemos estudá-lo em virtude daquilo que tem em comum com todos os outros seres. Será talvez legítimo pensar que isto é muito pouco: de facto, o próprio Aristóteles afirma que nada possui ser enquanto sua essência ou natureza: não há nada que seja apenas ser e nada mais. Mas estudar algo enquanto um ser é estudar algo sobre o qual é possível fazer predicações verdadeiras, precisamente do ponto de vista da possibilidade de fazer predicações verdadeiras sobre isso. A filosofia primeira de Aristóteles não estuda um tipo particular de ser; estuda tudo, todo o Ser, precisamente enquanto tal.

Ora, a ciência aristotélica é uma ciência de causas, pelo que a ciência do Ser enquanto ser será uma ciência que procura as causas da existência de qualquer verdade acerca de toda e qualquer coisa. Poderão existir tais causas? Não é difícil conferir sentido ao facto de um tipo particular de ser possuir uma causa enquanto ser. Se eu nunca tivesse sido concebido, nunca existiriam quaisquer verdades sobre mim; Aristóteles afirma que se Sócrates nunca tivesse existido, as frases «Sócrates está bem» e «Sócrates não está bem» jamais poderiam ser verdadeiras. Portanto os meus pais, que me deram existência, são as minhas causas enquanto ser. (São também as minhas causas enquanto ser humano.) Tal como os pais deles, e os pais dos pais deles por sua vez, e, em última instância, Adão e Eva, no caso de descendermos todos de um único par. E se algo tivesse dado existência a Adão e Eva, seria essa a causa de todos os seres humanos, enquanto seres.

Posto isto, podemos ver claramente de que modo o Deus cristão, o criador do mundo, pode ser entendido como a causa do Ser enquanto ser  a causa, pela sua própria existência, das verdades sobre si próprio, e, como criador, a causa eficiente da possibilidade de toda e qualquer verdade acerca de toda e qualquer coisa. Mas no sistema de Aristóteles, que não inclui um criador do mundo, qual é a causa do Ser enquanto ser?

No cume da hierarquia aristotélica dos seres estão os motores móveis e imóveis que são as causas finais de toda a geração e corrupção. São assim, de certo modo, as causas de todos os seres perceptíveis e corruptíveis, desde que sejam seres. A ciência que pretenda alcançar o motor imóvel estará a estudar a explicação de toda e qualquer predicação verdadeira e, desse modo, de todo e qualquer ser enquanto ser. Na sua Metafísica, Aristóteles explica que existem três tipos de substâncias: os corpos perecíveis, os corpos eternos e os seres imutáveis. Os dois primeiros tipos pertencem à ciência da natureza, e o terceiro à filosofia. Aquilo que explicar a substância, afirma, explicará todas as coisas, já que sem substâncias não existiriam mudanças activas nem passivas. Aristóteles avança então para a comprovação da existência de um motor imóvel, concluindo que «de tal princípio dependem os céus e a natureza»  ou seja, tanto os corpos eternos como os corpos perecíveis dependem do ser imutável. E este é o divino, o objecto da teologia.

O motor imóvel é anterior às outras substâncias, e estas são anteriores a todos os outros seres. «Anterior» é aqui utilizado não num sentido temporal, mas para denotar dependência: A é anterior a B, se pudermos ter A sem B mas não B sem A. Se não existisse um motor imóvel, não existiriam os céus e a natureza; se não houvesse substâncias, não haveria qualquer outra coisa. Podemos agora entender por que motivo Aristóteles afirmava que aquilo que é anterior possui um poder explicativo mais elevado do que aquilo que é posterior, e por que razão a ciência dos seres divinos, sendo anterior, pode entender-se como a mais universal das ciências: porque lida com seres que são anteriores, isto é, mais recuados na cadeia da dependência. A ciência dos seres divinos é mais universal do que a ciência da física porque explica tanto os seres divinos como os seres naturais; a ciência da física explica apenas os seres naturais e não os seres divinos.

Por fim, conseguimos compreender como se harmonizam as diferentes definições da filosofia primeira. Qualquer ciência pode ser definida pela área que pretende explicar ou por meio da especificação dos princípios pelos quais o explica. A filosofia primeira tem como área de explicação o universal: propõe-se apresentar um tipo de explicação para toda e qualquer coisa e encontrar uma das causas da verdade de toda e qualquer predicação verdadeira. É a ciência do Ser enquanto ser. Mas, se passarmos do explicandum para o explicans, podemos dizer que a filosofia primeira é a ciência do divino; pois aquilo que explica fá-lo por referência ao motor imóvel divino. Não lida apenas com um só tipo de Ser, já que faz a descrição não apenas do próprio divino, mas de tudo o que existe ou é alguma coisa. Mas é, por excelência, a ciência do divino, já que explica tudo por referência ao divino e não, como a física, por referência à natureza. Assim, a teologia e a ciência do Ser enquanto ser são uma e a mesma primeira filosofia.

Somos por vezes levados a pensar que a fase final da compreensão da metafísica aristotélica é uma apreciação da natureza profunda e misteriosa do Ser enquanto Ser. Na verdade, o primeiro passo em direcção a essa compreensão é a tomada de consciência de que o Ser enquanto Ser é um espectro quimérico engendrado por não se prestar atenção à lógica aristotélica.

Anthony Kenny


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David Lewis (1941-2001)
Simon Blackburn

 

 

Filósofo americano. Nasceu em Oberlin, no Ohio, e estudou em Swathmore, em Oxford (um ano) e em Harvard, onde se doutorou em 1967. Foi professor na University of California at Los Angeles de 1966 a 1970, ensinando em Princeton desde então. Lewis tem feito contribuições importantes num domínio muito vasto de tópicos e é provavelmente o mais influente metafísico contemporâneo da tradição analítica. O seu primeiro livro, Convention: a Philosophical Study (1969), reabilitou a noção de convenção, então encarada com grandes suspeitas quer pelos filósofos da linguagem quer pelos especialistas em teoria política. Counterfactuals (1973) introduziu a análise em termos de mundos possíveis, hoje em dia clássica, desse tipo de frases. Lewis é conhecido pelo seu realismo sem concessões acerca de mundos possíveis, que desempenham um papel fundamental nas suas teorias; grande parte da discussão actual tem-se centrado nas maneiras de obter as vantagens proporcionadas pelas suas análises sem os respectivos custos metafísicos. Tentativas como essas são rebatidas em The Plurality of Worlds (1986). Nos seus Collected Papers (2 vols., 1983, 1986), Lewis aborda um grande número de outros assuntos. O seu livro Parts of Classes (1991) explora um ponto de vista merológico acerca da teoria de conjuntos.

Simon Blackburn
Texto retirado de Dicionário de Filosofia (Gradiva, 1997).


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Ensino da Filosofia e Exegese

 

Desidério Murcho *

Quero partilhar com os leitores algumas ideias sobre o ensino da filosofia analítica. Uma vez que o próprio conceito de filosofia analítica é razoavelmente pouco conhecido, escolhi a exegese como a actividade em relação à qual a filosofia analítica se distingue claramente da continental. O meu objectivo é disponibilizar alguma informação que julgo importante não só para a tomada de decisões de fundo no que respeita ao ensino da filosofia, mas também para a prática docente quotidiana. A ênfase é colocada sobretudo no ensino liceal da filosofia, mas sem perder de vista o ensino universitário.

A pequena cultura filosófica portuguesa pertence a um sector muito específico e minoritário, em termos mundiais, da prática filosófica internacional. É comum designar-se esta forma minoritária de fazer filosofia como 'filosofia continental', porque é sobretudo nos países do continente europeu (França, Portugal, Espanha, Itália e parte da Alemanha) que se cultiva esta forma de fazer filosofia. A filosofia analítica é dominante em países como o Reino Unido, os EUA, a Austrália, alguns países nórdicos europeus e parte da Alemanha. Nos países de forte tradição continental, como a França e a Espanha, o movimento analítico tem vindo a crescer ao longo dos anos, apesar de continuar, nesses países como em Portugal, claramente minoritário.

Toda a gente conhece a filosofia continental: foi o que nos ensinaram e continuam a ensinar no liceu, é o que se ensina nas universidades e a maior parte dos livros e revistas de filosofia são de perfil continental. Uma das características que distinguem a forma analítica de fazer filosofia da forma continental, sobretudo portuguesa, baseia-se na diferente posição que tomam em relação à exegese filosófica. Ao passo que para os continentais a exegese filosófica não se distingue da simples paráfrase, os analíticos distinguem esta da formulação, identificando com esta última o sentido da expressão 'exegese filosófica' mas não com a primeira.

A distinção entre a paráfrase e a formulação pode ser facilmente captada se tivermos em conta que alguém que nada perceba de medicina ou música pode no entanto parafrasear eficientemente um texto de medicina ou música do século XVI, bastando para tal conhecer a língua em que tal texto foi escrito, ao passo que para formular o conteúdo de um texto de medicina ou música do século XVI já é necessário saber medicina ou música, consoante o caso.

Compreende-se assim por que razão outra das características que distinguem a maneira analítica de fazer filosofia da maneira continental consiste na hierarquia conceptual dada à exegese filosófica: para um filósofo analítico só é possível fazer exegese filosófica depois de se saber filosofia, ao passo que os continentais defendem que se aprende filosofia a fazer exegese, o que aos olhos dos analíticos é tão absurdo como defender que se aprende medicina ou música lendo os textos clássicos da medicina ou da música.

Para um filósofo analítico a expressão 'exegese filosófica' significa 'formulação' e não 'paráfrase', pois não podem existir 'paráfrases filosóficas', uma vez que a filosofia pressupõe uma compreensão crítica e a paráfrase apenas pressupõe a capacidade mimética. Esta divisão, entre analíticos e continentais, quanto ao significado da expressão 'exegese filosófica' é a causa última do tipo de ensino da filosofia praticado em Portugal, e que aos olhos dos analíticos não passa de uma caricatura do que é o verdadeiro ensino da filosofia. Nos liceus e nas faculdades, os alunos de filosofia são lançados, sem preparação, para os textos clássicos da filosofia (numa atitude que a um analítico parece autêntico terrorismo intelectual), sendo-lhes exigido em troca um conjunto mais ou menos bacoco de paráfrases em que os mais disparatados erros, as mais gritantes ambiguidades e imprecisões e a mais evidente incompreensão dos problemas, argumentos e teorias que os filósofos discutiram ao longo dos tempos são sinais infelizes de um tipo de ensino que não tem capacidade para formar pessoas que sabem, sobretudo, pensar, mas antes pessoas que sabem, sobretudo, repetir.

A formulação dos problemas, teorias e argumentos da filosofia permite ao aluno perceber os problemas, teorias e argumentos da filosofia, ao passo que a sua paráfrase não lhe permite senão a repetição mecânica das palavras dos filósofos. É por este motivo que a avaliação dos alunos de filosofia, sobretudo no liceu, é um problema latente em Portugal. Uma vez que não são transmitidos aos alunos conteúdos cuja formulação mais ou menos precisa seja possível avaliar de forma justa, mas antes conjuntos de frases que os alunos devem repetir de forma mais ou menos vaga, o professor nunca sabe se está perante um aluno com uma excepcional verve filosófica, se perante alguém que nada percebeu, acabando todos por ser avaliados em função de critérios extra-filosóficos como a qualidade do português, a quantidade de autores referidos por cada frase e a capacidade para citar a bibliografia de forma competente.

O filósofo analítico, por outro lado, sabe exactamente o que está a avaliar, tal como um professor de música ou de medicina. Existem conteúdos filosóficos precisos cuja maior ou menor compreensão, tal como é revelada pela sua formulação escrita e oral, pode ser avaliada de forma justa. Tal como um professor de medicina avalia até que ponto um aluno compreendeu o processo digestivo dos seres humanos e tal como um professor de música avalia até que ponto um aluno compreendeu o conceito de intervalo musical, também o professor de filosofia analítica avalia até que ponto um aluno compreendeu a teoria da referência de Kripke ou os argumentos cépticos da segunda Meditação de Descartes.

Outra das consequências da diferente concepção de exegese filosófica que distingue os analíticos dos continentais é a ausência conspícua de livros de introdução à filosofia, do lado continental, e a sua abundância, do lado analítico. De facto, como escrever um livro de introdução à filosofia quando a concebemos como a arte, mais ou menos delirante, da paráfrase? Se vamos explicar o conceito de frase analítica, temos de parafrasear Kant ou Quine, citando ambos os autores abundantemente; nada mais resta fazer. Não há quaisquer conteúdos conceptuais que possam ser organizados e apresentados didacticamente, do mais simples para o mais complexo, do mais importante para o menos importante. Quando se tem um conceito continental de filosofia nada resta excepto a paráfrase. Mas isso é negar à filosofia o papel crítico que faz parte da sua própria essência, e sem o qual ela se torna um exercício oco culturalmente empobrecedor e, sem dúvida, verdadeiramente redutor.

Para terminar, gostava de afirmar claramente que da minha posição favorável à filosofia analítica não se segue que eu ache que a filosofia continental deva acabar. Defendo e sempre defendi a tolerância e a liberdade. Acontece que, da mesma maneira que acho que os partidários da filosofia continental têm o direito de estudar, ensinar e divulgar a sua prática, também acho que os partidários da filosofia analítica têm o mesmo direito. Esta posição não deve confundir-se com um relativismo mais ou menos irresponsável, no qual tudo é igual a tudo; é apenas o resultado de um princípio que me parece sensato: nestas matérias pacíficas, as pessoas têm o direito de estar erradas. Compete ao público fazer a sua escolha.

*Desidério Murcho

Sociedade Portuguesa de Filosofia

Av. da República, 37, piso 4

1050 Lisboa

disputatio@mail.telepac.pt

 

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Oxford Companion to Philosophy, org. por Ted Honderich Filosofia continental

 

 


Anthony Quinton
Universidade de Oxford

A expressão "filosofia continental" adquiriu o seu significado corrente apenas a seguir à Segunda Guerra Mundial, quando o acelerado processo de mútua exclusão entre a filosofia praticada nos países de língua inglesa e no continente europeu, cuja origem se situa no início do século, finalmente foi reconhecido como tão profundo quanto de facto é. Na Idade Média a filosofia era praticada por pessoas que, independentemente do seu local de nascimento, se expressavam numa língua universal, o latim, considerada a única língua culta, e se deslocavam incessantemente de um centro de ensino para outro. Esta unidade manteve-se durante o Renascimento e sobreviveu ao escritos filosóficos de Bacon e Descartes, em vernáculo. O vernáculo alargou-se bastante tardiamente à Alemanha, e constituiu o veículo das três Críticas de Kant. O seus primeiros escritos foram em latim, tal como os de Leibniz, que também utilizava o francês. Christian Wolf, um discípulo de Leibniz, em cuja escola de pensamento Kant se formou, publicou os seus trabalhos em latim e na língua alemã.

O próprio Locke, cujos escritos foram bastante influentes em França, foi influenciado por Descartes e Gassendi, tendo estudado Malebranche. Hume, que despertou Kant do seu "sono dogmático" leu Bayle (e foi acusado por Samuel Johnson de escrever como um francês). A filosofia escocesa do senso comum foi um elemento central no eclectismo oficial de Victor Cousin durante o período da monarquia de Orleães. Mill estudou Comte e escreveu sobre ele. Green, Bradley e os idealistas absolutos de Inglaterra e da Escócia, estudaram cuidadosamente Kant e Hegel, tendo sido defensores entusiásticos de Lotze. Os filósofos de língua inglesa manifestaram, no entanto, um interesse reduzido pelo neo-kantismo prevalecente na Alemanha do século XIX ou pelo "espiritualismo" dos filósofos franceses do mesmo período. Russell e Moore estudaram, respectivamente, Frege e Brentano, ambos as fontes principais do pensamento de Husserl, ainda que nenhum deles ou qualquer dos seus compatriotas revelasse interesse por Husserl. William James leu Renouvier e Bergson. Contudo, no final da Primeira Guerra Mundial, as ruptura entre as filosofias da Europa continental e da Inglaterra e Estados Unidos, estava já razoavelmente bem estabelecida.

A ruptura foi completa após a Segunda Guerra Mundial. Bergson ainda foi objecto de um breve culto entre alguns filósofos britânicos e Russell levou-o suficientemente a sério para o criticar com algum detalhe. Croce esteve na moda durante um período ainda mais curto, apesar de ter conquistado um discípulo distinto, R. G. Collinwood, que o reconheceu superficialmente. Houve também um brevíssimo interesse por Husserl, mas as restantes luminárias filosóficas do continente europeu durante o período entre as duas guerras foram ignoradas: Brunschvicg, Nicolai Hartmann (um dos seus trabalhos periféricos foi traduzido), Dilthey (que morreu em 1911 mas cuja fama foi em larga medida póstuma), Scheler, Gilson e Cassirer atraíram a atenção dos interessados em história da filosofia; Maritain a dos católicos; Mach, Poincaré e Duhem, para regressar um pouco atrás, a dos filósofos da ciência (Russell reconheceu a sua dívida por Mach e Poincaré no prefácio de Our Knowledge of the External World).

A descoberta de Sartre aquando da libertação da França chamou a atenção geral para o existencialismo e a fenomenologia, à qual estava associado. Heidegger não era totalmente desconhecido. Ryle escrevera respeitosamente, mas sem ocultar um elemento de suspeita, acerca de Sein und Zeit em 1918, e quatro anos depois, num espírito penetrantemente mais crítico, sobre fenomenologia, ainda que, na altura, não houvesse já entre os filósofos britânicos qualquer interesse pela fenomenologia que conviesse repelir. Nos anos trinta, os filósofos da Europa continental lidos atentamente pertenciam ao Círculo de Viena, a maioria dos quais veio a estabelecer-se em países de língua inglesa. Havia a consciência de outros grupos que trabalhavam num espírito semelhante, na Polónia e na Escandinávia, ainda que Twardowski, Hägerström, Kotarbinski e Marc-Wogau fossem pouco mais que nomes para os filósofos britânicos.

Desde 1945, o inicialmente restrito grupo de filósofos de língua inglesa interessados em filosofia continental tem-se alargado lentamente. Um certo número de filósofos alemães e franceses associaram-se a um ou outro ramo da filosofia analítica praticada no estilo anglo-americano. Não existe, todavia, qualquer convergência perceptível entre estes dois universos filosóficos. O existencialismo, o estruturalismo e a teoria crítica são bastante diferentes entre si. O primeiro exalta o indivíduo humano como criador de sentido num mundo de outro modo privado de significado; o segundo proclama a morte do homem e atribui as suas características humanas a certas estruturas mentais, como a linguagem, que define o que o homem é e faz; o terceiro visa libertar a consciência, de forma bastante abstracta, da "existência social" onde o marxismo ortodoxo a mergulhou. Mas, em diferentes graus, todos atribuem maior credibilidade a afirmações dramáticas, e até melodramáticas, que a argumentos racionalmente sustentados.

O existencialismo possui uma longa e distinta tradição. Descende, por um lado, de Kierkegaard e Nietzsche; o primeiro afirma o carácter irredutível dos indivíduos particulares e a ininteligibilidade de Deus, bem como a sua inevitabilidade, o segundo sustenta que o intelecto humano é uma arma na luta pela sobrevivência e pelo poder, não um meio para a contemplação de verdades objectivas. Os existencialistas associaram esta atitude cósmica de grande efeito à fenomenologia de Husserl. Husserl aplicara a sua técnica de inspecção directa da consciência, liberta de pressupostos, principalmente a actividades cognitivas. Os existencialistas aplicaram-na ao homem considerado como agente e portador de desejos e emoções. Heidegger, após ter reunido ambas as coisas num conjunto único em Sein und Zeit, adoptou uma perspectiva meditativa, segundo a qual compete ao filósofo aguardar passivamente as intimações que o Ser possa dirigir-lhe. Sartre acrescentou um grão de pimenta literária e sensibilidade urbana francesa ao primeiro Heidegger. Merleau-Ponty reinstalou o eu cartesiano no corpo de que continuamente tem consciência e sem o qual é incapaz de percepcionar e agir.

O estruturalismo tem uma proveniência mais recente e humilde. Nasceu na Genebra do linguista Ferdinand de Saussure, chegou a França através do antropólogo Lévi-Strauss e proliferou impregnando a crítica literária de Barthes, a psiquiatria de Lacan e o marxismo de Althusser. Podemos dizer que alcançou o seu ponto culminante com Foucault, tendo-se transcendido, em direcção a um espaço supra-lunar intelectual, com Derrida. Saussure sustentou que a linguagem não consiste numa acumulação de convenções independentes mas num sistema de interligações no qual cada elemento é o que é em virtude do conjunto de relações que mantém com todos os outros no sistema. Nas mãos de Lévi-Strauss isto conduziu à conclusão de que nada existe de realmente primitivo nas linguagens até então supostamente primitivas e nos povos supostamente primitivos que as falam. Foucault viu na mente humana o predomínio de diferentes formas de representar o mundo em épocas sucessivas, cada uma das quais consistiria num estratagema nietzscheano impessoal para dominar as restantes.

A teoria crítica foi inspirada pela rejeição de Georg Lukács da doutrina marxista ortodoxa, segundo a qual as ideias e crenças dos indivíduos humanos são determinadas totalmente pelas circunstâncias socio-económicas. Os especialistas propriamente ditos da teoria crítica Horkheimer, Adorno, Marcuse e, na geração subsequente, Habermas puseram de parte a identificação positivista da racionalidade com o espírito científico, pelo menos na sua aplicação ao homem e à sociedade. Pensaram, neste domínio, que é indispensável apreender as coisas, à maneira de Hegel, como uma totalidade, e não em função dos seus fragmentos abstractos. A influência de Nietzsche está ainda presente, ao defenderem que a linguagem e as ideias podem ser empregues como instrumentos de dominação, porque criadoras de uma "falsa consciência".

Existiram algumas afinidades entre a ética da decisão existencialista e as teorias éticas não cognitivistas, pelo menos em algumas das suas versões mais iconoclastas. A linguística estrutural de Chomsky tinha um certo número de aspectos em comum com a de Saussure, mas, ao contrário dos seguidores de Saussure, combinou-a com um extremismo radical acerca dos costumes e em política. As evidentes intenções políticas da teoria crítica tornaram-na desinteressante para os filósofos analíticos, comprometidos com uma posição neutral. Em caso algum existiu uma conexão suficiente para que se estabelecesse qualquer reaproximação. O desconstrucionismo de Derrida, segundo o qual tudo é texto, um texto susceptível de infindáveis interpretações livres, representa para os filósofos analíticos uma reductio ad absurdum da filosofia, dada a sua incompatibilidade com padrões de verdade, justificação ou consistência lógica. Transforma a filosofia não apenas num jogo, mas num jogo sem regras.

Anthony Quinton
Universidade de Oxford
Tradução de Paulo Ruas

Bibliografia

  • David Cooper, Existencialism (Oxford, 1990)
  • R. Kearney, Modern Movements in European Philosophy (Manchester, 1986)
  • J. A. Passmore, Recent Philosophers (Londres, 1985)
  • J. Sturrock (ed.), Structuralism and Since (Oxford, 1979)
~~ In <Oxford Companion to Philosophy>, org. por Ted Honderich (OUP, 1995, pp. 666-670)

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