Disputatio
2 (May 1997) |
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Exercícios Eleáticos1Fernando Ferreira Universidade de Lisboa
Parmenides did not write as a cosmologist. He wrote as a philosophical pioneer of the first water, and
any attempt to put him back into the tradition that he aimed to demolish is a surrender to the diadochewriters, a
failure to take him at his word []
G. E. L. Owen 1960, 85-102
§1. A nosso ver, Parménides de Eleia é o mais interessante filósofo présocrático. O interesse que lhe descobrimos
não está dissociado de uma certa maneira de encarar e fazer filosofia, com as inquietações de índole conceptual, e correspondentes
análises, a ocuparem um lugar privilegiado. Concordamos com G. E. L. Owen (vide epígrafe) e M. Furth em reconhecer
em Parménides um pioneiro da filosofia portador de «um pensamento surpreendentemente próximo de algumas das preocupações filosóficas
contemporâneas» (Furth 1968, 11132) ainda que localizemos diferentemente deles a proveniência da sua singularidade. A
tese central deste estudo é a de que, na raiz do pensamento de Parménides, se encontra uma certa concepção do significado
das proposições, completamente inábil em providenciar significado às proposições falsas. No §3 explicamos em que consiste
esta concepção - a que chamamos a teoria denotativa do significado das proposições - e no §4 mostramos como ela se articula
com o poema de Parménides. Nesta introdução, e para já, socorremonos do seguinte extracto do Eutidemo de Platão
para transmitir ao leitor o deslumbramento aporético a que as teses eleáticas conduziram:
Eutidemo A teu ver, Ctésipo, achas que é possível mentir? Ctésipo Sim, por Zeus, a menos que
tenha enlouquecido. Eutidemo, Dizendo a coisa que se diz, ou não a dizendo? Ctésipo Dizendoa. Eutidemo
Ora, se se a diz, não se fala senão da realidade que precisamente se diz. Ctésipo Como poderia isso ser de outra
maneira? Eutidemo Por outro lado, esta realidade de que se fala é uma só e única coisa, entre as outras coisas,
das quais está separada. Ctésipo Sim, perfeitamente. Eutidemo Portanto, quando se diz uma coisa, dizse
uma coisa que é? Ctésipo Sim. Eutidemo Mas, então, se se diz realmente uma coisa que é e coisas que
são, dizse a verdade []
(Eutidemo, 283e284b)2
Esta troca dialéctica torna patente
uma inabilidade radical de dar significado à falsidade. Platão vai encarar esta inabilidade como um problema que urge resolver
e, no Sofista, formula o que passamos a denominar de problema da falsidade:
[] estamos interessados num dificílimo trabalho de investigação, pois parecer, mas não ser, e afirmar, sem ser
a verdade tudo isto sempre causou muita perplexidade, dantes e agora. É muito difícil, Teeteto, ver como se pode falar de
modo a dizer ou a ter a opinião de que o que é falso é e, ao dizêlo, não cair em contradição. (Sofista, 236e)
Alguns estudiosos reservam para o Sofista um lugar de grande destaque na filosofia. Notavelmente, evidenciase
nessa obra e pela primeira vez o carácter polissémico do verbo «ser». Notavelmente, também, avançase com um tratamento
correcto do conceito de «predicação», ainda que, nas palavras de Peter Geach (1972, 47), ofuscado (mais tarde) por Aristóteles
na sua apresentação do cálculo silogístico como uma teoria de dois termos.3 Concomitantemente
à análise do conceito de predicação, defendemos que Platão expõe uma teoria do significado que permite lidar com a falsidade.
Esta teoria, que está na base da actual teoria condicional do significado das proposições (vejase §2), não só sobrevive
ao cálculo silogístico como constitui um dos seus pressupostos. É elucidativo, sem dúvida, contrastar as seguintes linhas
de Aristóteles em Da Interpretação, 17a 2729, com o diálogo do Eutidemo acima mencionado: «[] é possível
afirmar o que pertence como não pertencendo, o que não pertence como pertencendo, o que pertence como pertencendo, e o que
não pertence como não pertencendo [...]».4 Sem dúvida que neste meio tempo algo de importante
se passou!
A sugestão de que Platão avança, no Sofista, uma teoria do significado alternativa à de Parménides, necessita, é
claro, de uma defesa cuidada. Esta defesa inclui a ideia de que o conteúdo verdadeiramente inovador do Sofista apenas
ocorre na sua parte final (em 259e264d). Infelizmente, teremos de deixar este tipo de considerações para um outro estudo.
Não obstante, na secção 3 do presente trabalho, fazse uma alusão bastante explícita à denominada «tese da alteridade»
proposta por Platão no Sofista (em 257b259a); e isto num contexto em que se lhe atribui uma filiação ainda presa
a uma teoria denotativa do significado (se bem que bastante mais branda que a original, devida a Parménides). Não avançamos
nenhuma justificação para esta filiação: o leitor descrente poderá, no entanto, ignorar esta alusão, já que o argumento conducente
à tese central deste estudo não se apoia nela.
Restanos, nesta introdução, adiantar algumas palavras respeitantes ao pano de fundo em que se desenrola o presente
estudo. Como já demos a entender, preferimos ver o trabalho de Parménides como o produto de um arrojo intelectual singular
que, objectivamente, propugna uma tese filosófica errónea, provoca uma viragem de monta na tradição présocrática e, não
menos importante, levanta um problema filosófico delicado e difícil. Este problema é resolvido por Platão no Sofista,
razão pela qual esta obra pode ser útil na análise do eleatismo. E, com efeito, o leitor atento reparará na influência do
Sofista nas considerações que se seguem. Por outro lado, afastamos, e não estamos interessados, nas interpretações
do eleata que o colocam entre os metafísicos especulativos que procuram responder a uma enorme Seinsfrage. Nem tão
pouco pensamos que evitar estas especulações tornam Parménides, e as discussões em seu redor, menos interessantes. Pelo contrário,
mantemos que amiúde não se tem uma genuína apreciação do grande esforço conceptual e do trabalho profundo que a posição de
Parménides e a sua análise por Platão envolvem. Por último, estamos convencidos que hoje nos encontramos numa posição incomparavelmente
superior à dos antigos para apreciar as subtilezas da questão parmenídea e os obstáculos no caminho da sua superação. Não
nos coibimos de fazer uso do arsenal intelectual que, entretanto, se desenvolveu em vinte e quatro séculos e, em particular,
dos avanços da análise lógica dos últimos cem anos.
§2. Um novo nome próprio é sempre um caso único: a apreensão do seu significado consiste em aprender a que coisa
ele se refere. Em contrapartida, a apreensão do significado duma nova proposição quase nunca é excepcional, sendo esta uma
condição necessária à comunicação. Surge, pois, a questão de explicar como é que, havendo um potencial número infinito de
proposições nas trocas linguísticas, se apreende quase sempre de modo automático os seus significados. Esta questão pode ser
elucidada se observarmos que compreender uma proposição consiste em saber que crença se adquire caso a consideremos verdadeira.
Portanto, para compreender uma proposição é necessário saber quais são as suas condições de verdade. É neste ponto que a lógica
desempenha um papel notável, ao explicar como é possível que um número finito de regras permita atribuir condições de verdade
para um número infinito de proposições.
O cálculo proposicional é um caso exemplar. As suas proposições são obtidas recursivamente através de conectivos proposicionais,
o que permite atribuir de forma sistemática os valores de verdade às diversas proposições. Assim, o valor de verdade da disjunção
de duas proposições é falso se, e somente se, ambos os valores de verdade das proposições componentes o forem; de modo sobejamente
conhecido tratamse os restantes conectivos (negação, conjunção, implicação, etc.). O caso do cálculo de predicados, em
que se usam quantificadores, é mais subtil, podendo ser tratado da forma como Tarski nos ensinou. O ponto a destacar nesta
discussão é a análise duma proposição em termos de proposições mais simples.5
Claro que, na raiz destas análises, encontramse invariavelmente proposições que já não são susceptíveis de ser analisadas
em termos de proposições mais simples. Na expressão sintáctica destas proposições atómicas surge uma distinção fundamental
entre, por um lado, símbolos predicativos e, por outro lado, constantes individuais, obtendose as formas proposicionais
atómicas, como a concatenação dum determinado símbolo predicativo com uma sequência ordenada de constantes individuais. Para
concretizar estas formas proposicionais e, assim, obter exemplos de proposições, substituise nas formas proposicionais
atómicas o símbolo predicativo por uma expressão predicativa (um verbo ou uma forma verbal) e as constantes individuais por
nomes próprios, pronomes ou descrições definidas. Eis alguns exemplos: «O Pedro estuda», «A Maria gosta do Pedro», «O António
apresentou o Pedro à Maria». Agora, desde que se compreenda a noção de predicação verdadeira, e.g., a de um conceito
se aplicar a um caso individual, obtémse a condição de verdade para a forma proposicional Pa: ela é verdadeira
se, e somente se, o conceito associado a P se aplica ao objecto a que a se refere.
Nesta breve discussão do significado das proposições à luz da lógica moderna há duas características notáveis a apontar.
A primeira, de carácter estrutural, explica como um número finito de regras é suficiente para atribuir condições de verdade
a um número infinito de proposições. A segunda, mais fundamental para o presente estudo, é o carácter condicional da
atribuição dos valores de verdade às proposições, excluindoas de qualquer papel denotativo. A uma teoria do significado
que incorpora esta última característica chamamos uma teoria condicional do significado das proposições.
Restanos, nesta secção, discutir o seguinte: há linguagens que dividem as proposições em duas classes mutuamente exclusivas:
as afirmativas e as negativas, sendo estas as negações daquelas. (Um exemplo típico é a linguagem do cálculo silogístico,
em que há duas formas proposicionais afirmativas e outras duas negativas.) Admitindo como adquirida a atribuição de significado
às proposições afirmativas, levantase a questão de atribuir significado às correspondentes proposições negativas: é o
que denominamos de problema da negatividade. Esta questão tem uma solução trivial em teorias condicionais do significado:
a condição de verdade (respectivamente, de falsidade) duma proposição negativa é a condição de falsidade (respectivamente,
de verdade) da correspondente proposição afirmativa.
§3. A uma teoria em que as proposições são nomes de factos e cujos significados resultam dos factos que nomeiam,
chamamos uma teoria denotativa do significado das proposições. Por exemplo, o significado da proposição «César atravessou
o Rubicão» adviria do facto histórico da travessia do Rubicão por César. Uma tal teoria pressupõe uma ontologia de factos
(que pode, ou não, conviver com uma ontologia de objectos) e desloca as dificuldades da atribuição de significado para o problema
da referência. Não estamos interessados nestas dificuldades, queremos dar antes atenção à maneira como as teorias denotativas
do significado lidam com os problemas da falsidade e da negatividade. No que diz respeito à falsidade, as teorias denotativas
falham miseravelmente a provisão de significado: e.g., Otelo acredita falsamente que Desdémona ama Cássio, mas «Desdémona
ama Cássio» é uma proposição sem significado, pois o amor de Desdémona por Cássio não existe. Como corolário desta incapacidade
das teorias denotativas em solucionar o problema da falsidade, a colecção das proposições com significado não é fechada debaixo
da operação de negação. Perdese, pois, a faculdade das proposições se poderem contradizer. Diferentemente, e como veremos,
o problema da negatividade pode ser enfrentado pelas teorias denotativas, se bem que, por vezes, à custa duma certa largueza
ontológica. Os exemplos que se seguem discutem este tema.
1.º Exemplo:
Sintaxe: Há dezasseis proposições: xB, xP, yB, yP, wB, wP, zB, zP, ~xB, ~xP, ~yB, ~yP, ~wB, ~wP, ~zB e ~zP. As primeiras
oito proposições são afirmativas e as outras são as respectivas negações.
Ontologia: É constituída por quatro factos, x, y, w, z:
Discussão: A atribuição de significado é a que naturalmente decorre de se pensar em x, y, w e z como nomes para
os quadrados e em B e P como nomeando as qualidades «branco» e «preto». Assim, das proposições afirmativas, quatro têm significado
xP, yB, wP, zP e denotam os factos acima exibidos (por ordem, da esquerda para a direita). As restantes quatro proposições
afirmativas são destituídas de significado, pois não denotam. Que significado atribuir às proposições negativas verdadeiras
~xB, ~yP, ~wB e ~zB? O mais natural é atribuirlhes os mesmíssimos factos que se atribuem a xP, yB, wP e zP (respectivamente).
Esta atribuição levanta, porém, um problema: a inexistência de qualquer diferença de significado entre, por exemplo, xP e
~xB (entre «x é preto» e «x não é branco»). Num mundo a preto e branco (como o acima) tal é defensável. Mas num mundo em que
existam outras cores e maneiras de as nomear, é uma posição dificilmente sustentável. Imaginese que o último quadrado
é azul e que nomeamos esta cor por A. Qual o significado de ~xA? O mesmo que o de ~xB? E qual o significado de ~zB? O de zA
(o quadrado azul)? Voltaremos a estas questões mais tarde.
2.º Exemplo:
Sintaxe: O alfabeto é constituído por nove constantes 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, três sinais especiais «,» (vírgula),
«{» (chaveta esquerda) e «}» (chaveta direita), e duas cópulas «Î» e «Ï».
Um núcleo de termo é uma palavra com um número ímpar de caracteres em que as posições pares são ocupadas por vírgulas
e as posições ímpares por constantes. Por comodidade, e para que o número de núcleos de termos seja finito, exigimos que cada
constante ocorra, quando muito, uma só vez em cada núcleo de termo. Também incluímos, excepcionalmente, a palavra vazia (i.e.,
de comprimento zero) entre os núcleos de termo. Um simples cálculo obtém 986 410 núcleos de termos. Um termo é a concatenação
duma chaveta esquerda, com um núcleo de termo e uma chaveta direita (por esta ordem): {4,6,7}, {5}, {} e {6,4,7} são exemplos
de termos. Uma proposição é a concatenação duma constante, com uma cópula e com um termo (por esta ordem): por exemplo,
5 Î {4,6,7} ou 4 Ï {7,9}. Se se usa a cópula temse uma proposição afirmativa;
caso contrário, uma negativa. Ao todo são 17 755 380 proposições, das quais metade não vão ser providenciadas com significado
(não vão denotar).
Ontologia: Os factos da forma n Î X (n é um elemento de X), onde n é um número natural
menor que dez e X é um subconjunto de {1,2,3,4,5,6,7, 8,9}. Estamos perante uma ontologia com 2 304 factos.
Discussão: Utilizámos uma notação que torna clara a atribuição de significado que temos em mente para as proposições
afirmativas. Por exemplo, o significado de 6 Î {4,6,7} é o facto de que 6 Î
{4,6,7}. Notese que a proposição 6 Î {6,4,7}, que é diferente da acima, tem exactamente o mesmo
significado, como é desejável. Há uma maneira natural de estender a atribuição de significado às proposições negativas verdadeiras:
por exemplo, o significado de 2 Ï {4,6,7} é o facto 2 Î {1,2,3,5,8,9}. Esta
atribuição de significado parece ser pouco problemática; observese, porém, que atribui o mesmo significado a 2 Î {1,2,3,5,8,9} e a 2 Ï {4,6,7}.
3.º Exemplo:
O exemplo que se segue baseiase no anterior, com a diferença de que o número de constantes é infinito, uma para cada
número natural.6 A sintaxe é semelhante e a ontologia de factos consiste, agora, em todos
as verdades da forma n X, onde n é um número natural qualquer e X é um subconjunto finito do conjunto ù
dos números naturais. São À0 proposições e factos.
Nesta situação surge com agudeza o problema da negatividade: não há uma maneira natural de atribuir significado a 2 Ï {4,6,7}. Seria arbitrário atribuir a esta proposição, como anteriormente, o facto de que 2 Î
{1,2,3,5, 8,9}. Porque não, em vez disso, 2 Î {1,2,3,5,8,9,10,11,25}? Ou 2 Î
{2,3, 5}? O natural seria dizer que o significado de 2 Ï {4,6,7} é o facto de que 2 Î
{1,2,3,5,8,9,10,11,12,13,14,...}, mas a nossa ontologia não comporta este facto, visto que o conjunto referido é infinito.
Esta observação, porém, tem o mérito de sugerir o modo de enfrentar o problema da negatividade. A ideia é aumentar
a ontologia de factos, tanto para poder fazer atribuições de significado verosímeis como para poder efectuar certas distinções
relevantes. Vamos considerar como factos todas as verdades da forma n X, onde X pode ser um subconjunto qualquer (finito ou
infinito) dos números naturais. Este aumento ontológico resolvenos os problemas com o bónus adicional de que, ao contrário
do 2.o exemplo, as proposições afirmativas nunca têm o mesmo significado das negativas. Não obstante, o
leitor atento reparará que o aumento é um pouco extravagante pois adiciona 2À0
factos a uma ontologia original de À0 factos. É possível serse bastante mais económico...
Basta considerar a (sub)ontologia constituída pelas situações da forma n Î X, com X restrito aos
subconjuntos finitos ou cofinitos (i.e., de complementar finito) de ù.
Um modo alternativo, e habilidoso, de obter esta última ontologia (e a correspondente atribuição de significado), é efectuar
aquilo que denominamos por manobra de Platão. Esta manobra consiste em adicionar à ontologia de objectos um novo ente,
que notamos por «outro», e em aumentar a ontologia de factos de acordo com as seguintes especificações. Um facto tem a forma
n e X, sendo n um número natural e X um subconjunto finito de ù È {outro}, em que:
n e X se, e somente se,
ou n Î X e outro Ï X ou n Ï X e
outro Î X.
Por exemplo, o significado de 2 Î {4,6,7} é 2 e {4,6,7,outro}. Esta ontologia
tem a mesma forma da anterior, como fica patente pela correspondência que a cada facto n Î X, sendo
X um subconjunto finito de ù, faz corresponder o facto n e X; e a cada
facto n Î X, sendo X um subconjunto cofinito de ù, faz corresponder
o facto n e Y È {outro}, onde Y é o conjunto complementar (em ù) de X.
1.o Exemplo (revisitado):
A manobra de Platão permite solucionar o problema da negatividade levantado na discussão do 1.o exemplo. Podemos
considerar que nesse exemplo temos uma ontologia com sete entes (os quadrados x, y, w, z e as cores branca, preta e azul)
e que cada um dos quatro factos é um «entrelaçamento» dum quadrado com uma cor: e.g., o terceiro facto é o entrelaçamento
do quadrado w com a cor preta. Como no exemplo precedente, vamos adicionar um novo ente «outro» aos sete iniciais e aumentar
(correspondentemente) a ontologia de quatro factos para uma de doze. Os factos originais são,
1) o entrelaçamento do quadrado x com a cor preta, 2) o entrelaçamento do quadrado y com a cor branca, 3)
o entrelaçamento do quadrado w com a cor preta, 4) o entrelaçamento do quadrado z com a cor azul,
e os
novos são,
5) o entrelaçamento do quadrado x com a cor branca e com o ente outro, 6)o entrelaçamento do quadrado x com
a cor azul e com o ente outro, 7) o entrelaçamento do quadrado y com a cor preta e com o ente outro, 8) o entrelaçamento
do quadrado y com a cor azul e com o ente outro, 9) o entrelaçamento do quadrado w com a cor branca e com o ente outro,
10) o entrelaçamento do quadrado w com a cor azul e com o ente outro, 11) o entrelaçamento do quadrado z com a cor
branca e com o ente outro, 12) o entrelaçamento do quadrado z com a cor preta e com o ente outro. Esta nova
ontologia permite lidar efectuando as distinções de significado relevantes com as proposições negativas verdadeiras. Por exemplo,
o significado de ~xA é o entrelaçamento n.o 6, o de ~xB o n.o 5, e o de ~zB o n.o 11.
Como se viu, uma teoria denotativa do significado das proposições pode fazer face ao problema da negatividade, se bem que
à custa dum aumento da ontologia de factos. Este aumento é (na maior parte das vezes) incontornável, desde que se queiram
fazer certas distinções de significado. No 1.o exemplo, com quatro quadrados e três cores, há vinte e quatro proposições,
às quais metade, doze, nos propomos atribuir significado. Mantendo apenas os quatro factos da ontologia original, e sendo
o significado duma proposição o facto que denota, terá necessariamente de haver proposições distintas com o mesmo significado.
Por isso o aumento é inescapável. Este aumento é, no entanto, extremamente insatisfatório e corresponde a vazar para o domínio
da ontologia o que, nas teorias condicionais do significado, se explica por meio de ficções lógicas (a negação, neste caso).
§4. A secção precedente tornou clara a razão por que uma teoria denotativa não obsta a que as proposições com significado
se apresentem com uma de duas roupagens: a afirmativa ou a negativa. Atentemos, porém, a uma teoria denotativa de cariz monista,
em que as proposições com significado vêm sempre com a mesma roupagem (a afirmativa). Neste caso, a negatividade conflui com
a falsidade, com a falta de significado (denotação). É o que acontece com a teoria do significado implícita no poema de Parménides:
Vamos, vou dizerte, e tu escuta e fixa as minhas palavras, quais os únicos caminhos que há para pensar: um,
que é e que não é para não ser, é a viagem da Persuasão (pois acompanha a Verdade); o outro, que não é e que forçosamente
é para não ser, esse te indico ser uma trilha de que nunca vêm notícias, pois não poderás conhecer oquenãoé
(pois isso não se pode consumar) nem indicálo []7 Neste fragmento, Parménides
utiliza a imagética da viagem para introduzir os dois «únicos caminhos que há para pensar»: o estin (é), em 2.3, e
o ouk estin (não é), em 2.5. Concordamos com Mourelatos, vendo nesta imagética um papel maior do que o mero artifício
expositivo e/ou estilístico: por exemplo, a imagética sugere que para além dos caminhos existe uma viagem. Devemos, pois,
interpretar cada um dos dois caminhos do poema como um suporte proposicional que enquadra e torna possível a investigação.8 Numa linguagem moderna isto equivale a encarar cada via como a raiz de carácter sintáctico que chancela
a partição das proposições em duas classes distintas e mutuamente exclusivas: as afirmativas e as negativas. A investigação
terá depois de se processar segundo uma estratégia que envolva um destes (ou ambos os) caminhos. Já não concordamos com Mourelatos
em que se deva manter a mesma interpretação de suporte proposicional para as ocorrências do infinitivo mê einai (não
ser) no fragmento em consideração. Nestes casos, einai tem uma função veriditiva,9
portanto semântica e metalinguística, com o papel de esclarecer qual a matéria de investigação adequada a cada uma das vias.
Eis uma versão moderna dos versos 3 e 5:
se P é afirmativa então não é possível que P não seja o caso; se P é negativa então é necessário que P não
seja o caso, (onde P é uma variável proposicional). As predicações são de carácter diferente nos antecedentes
e consequentes destas duas implicações: nos antecedentes, as predicações («P é afirmativa»; «P é negativa») são de natureza
sintáctica, enquanto nos consequentes são de natureza semântica («P não é o caso»). Esta relação entre forma sintáctica -
representada em Parménides pelos caminhos e semântica (ser, ou não, o caso) é uma ideia revolucionária que lhe vai permitir
atacar obliquamente certas cosmogonias, não através da crítica às propostas particulares que estas defendam, mas, sim, incidindo
nas formas tomadas pelas proposições que as narram (vejase adiante). A filosofia, depois de Parménides, já não seria
a mesma.
Como vimos, o fragmento 2 insinua uma teoria denotativa do significado que identifica a falsidade com a negatividade. Como
consequência, o segundo caminho existe somente como possibilidade formal, já que percorrêlo acarretaria forjar proposições
negativas que relatam oquenãoé, as quais não têm significado (não denotam). É uma via «de que nunca vêm notícias»
e Parménides classificaa de «não verdadeira» (frag. 8.17 8 do poema de Parménides). Por outro lado, a viagem da Persuasão
é, ao que se saiba, viável e tem como propósito relatar o que é o caso acompanhar a verdade (alêtheia). O fragmento
3, que um número significativo de estudiosos considera ser o segundo hemistíquio do verso 2.8, conclui: «pois o mesmo é para
pensar e para ser». Esta frase identifica o significado (denotação) das proposições genuínas com o que é o caso. A seguinte
tabela sumaria estas discussões:
|
suporte da investigação |
matéria da investigação |
resultados da investigação |
1.o caminho |
é |
o que é o caso |
relatos de verdade |
2.o caminho |
não é |
o que não é o caso |
nenhuns |
No poema nunca se sugere que alguém procure investigar o que não é o caso, seja tomando o primeiro caminho, seja
o segundo. Não obstante, Parménides discute o «costume muito experimentado» (frag. 7.3) duma «multidão indecisa» (frag. 6.7)
de viajantes «bicéfalos» (frag. 6.5) que, ocasionalmente, se atrevem pela segunda via com o propósito de investigar o que
é o caso. Parménides chama regressiva (palintropos, frag. 6.9) a este tipo de viagens presumivelmente
porque amiúde se volta para trás para tomar o outro caminho e acusaas de estarem na origem das «crenças dos mortais»
(1.30). Esta maneira de viajar tem por base a ideia segundo a qual se pode ter acesso à verdade, não apenas através do primeiro
caminho, mas também através do segundo. Ora, tal é um engano: como já observámos, a teoria do significado implícita no poema
de Parménides destitui a negatividade de quaisquer pretensões à verdade (e ao significado). É isso mesmo que o eleata confirma
quando insiste que «nunca isto será demonstrado: que oquenãoé é» (frag. 7.1).10
No fragmento 8, Parménides enceta a tarefa de explorar o primeiro caminho. Os primeiros quatro versos são:
[...] Restanos falar de um só caminho: que é; neste caminho há inúmeros sinais: que oqueé é ingénito
e indestrutível, inteiro de um só tipo, imóvel e completo.
Não existe um consenso entre os especialistas sobre o que o sujeito to eon (traduzido por «oqueé») refere,
apenas que esta questão está estreitamente ligada à interpretação que se dá ao esti e ao einai do fragmento
2. De acordo com a leitura que avançámos com o «ser» a desempenhar, conforme o contexto, um papel de suporte proposicional
ou um papel veriditivo - é natural explicar oqueé como uma variável que toma valores em «factos». Esta sugestão
partilha com a interpretação existencial do «ser» parmenídeo o mérito de justificar amenamente a «não consumação» inerente
ao segundo caminho, pois o domínio denotativo da variável «oquenãoé» seria vazio.11
A interpretação «factual» de oqueé no fragmento 8 levanta, porém, a questão pertinente de explicar o que se entende
por um facto ingénito, indestrutível, inteiro de um só tipo, imóvel e completo. Convenientemente, estas cinco qualificações
exibem um paralelismo conspícuo com as formas verbais que se encontram, mais adiante, nos versos 3841 do mesmo fragmento:
[...] Logo, tudo isto são meros nomes, que os homens instituíram, confiantes de que eram reais: originarse
e destruirse, ser e não ser, mudar de lugar e alterar a cor brilhante. Este paralelismo, em conjugação com
os argumentos de Parménides nos versos intermédios 537, levanos a supor que cada uma das cinco propriedades avançadas
em 34 se devam interpretar em função da crítica ao uso das correspondentes formas verbais em 4041. Dizer que oqueé
é ingénito proíbe o uso do verbo gignesthai (originarse, viraser) nos relatos de verdade. De facto,
a maneira de regimentar um relato deste tipo dentro do esquema constituído pelos dois «únicos caminhos que há para pensar»
envolve forçosamente uma passagem pela via negativa: relatar a origem de oqueé exige uma proposição negativa e uma
afirmativa. Por exemplo, se os céus e os mundos têm origem12 então um primeiro relato rezaria
«não há céus nem mundos», e outro, posterior, «há céus e mundos». Apresentamos, abaixo, quatro exemplos coloquiais que intentam
patentear as ligações entre as propriedades de to eon enumeradas em 34, os verbos proscritos em 4041 e o
surgimento da via negativa na arregimentação a que o fragmento 2 obriga:
propriedade |
verbo proscrito |
relato anterior |
relato posterior |
ingénito |
o fogo originouse na floresta |
não há fogo na floresta |
há fogo na floresta |
imperecível |
todo o animal perece |
o animal vive |
o animal não está vivo |
imóvel |
a lua movese |
a lua está ali |
a lua não está ali |
completo |
a cor das folhas alterase |
a folha é verde |
a folha não é verde |
Estas quatro propriedades previnem vários tons de mudança nos relatos de verdade. As duas primeiras afastam as tonalidades
mais fortes: geração e destruição; no poema também se parece pôr em causa uma mudança de matiz mais moderado a transformação
de uma coisa noutra («jamais a força da persuasão permitirá que de oqueé surja algo para além dele próprio»13). As duas últimas propriedades previnem as mudanças de lugar (movimento) e de qualificação (i.e.,
alterações predicativas). Escolhemos deliberadamente fazer uma pausa antes de exemplificarmos a propriedade houlon mounogenes
(inteiro de um só tipo) e a correspondente forma verbal einai te kai ouchi (ser e não ser). Neste caso defrontamonos
com uma situação interpretativa mais difícil do que as anteriores, tanto devido a razões extrínsecas como intrínsecas: por
um lado a qualificação de oqueé como houlon mounogenes tem proporcionado uma base de apoio a certas interpretações
monistas do pensamento de Parménides; por outro lado, e ao contrário das outras quatro formas verbais, constatase a ausência
duma temporalidade inerente a einai te kai ouchi.14 Seguindo o método utilizado acima,
devemos interpretar a propriedade houlon mounogenes como proibindo o uso da expressão «ser e não ser» num relato de
verdade. O seguinte exemplo coloquial ajuda a esclarecer o que se tem em mente: a propriedade «inteiro de um só tipo» proíbe
relatos da forma «o ar está quente (aqui dentro) mas (lá fora) não está». Assim, numa situação predicativa,
a censura de Parménides dirigese à menção de divisões no sujeito (i.e., Parménides não admite as qualificações
múltiplas, simultâneas e contraditórias que os termos de massa 15 podem ter); mais
fortemente, dirigese mesmo a quaisquer variações internas ao sujeito (vejase 8.2324).16
§5. A decifração dos sinais do primeiro caminho leva a certas conclusões, não de primeira ordem, mas de segunda.
Parménides não adianta nenhuns relatos de verdade, apenas defende que esses relatos, a serem genuínos, têm que obedecer a
certos requisitos. Como diz Curd (1991), as preocupações de Parménides são de índole metodológica. Claro que os requisitos
que o eleata aduz no que respeita à forma dos relatos condiciona, oblíqua e fortemente, a visão do que é relatado. É consensual
que implica um mundo radicalmente fixo, irrevogável e alheio a qualquer mudança, por mais pequena que seja, classificandose
oqueé de uno (hen), coeso (suneches) (vide frag. 8.6), definido ou limitado17
e, acrescentamos, definitivo. Nada de portas abertas ou entreabertas à mudança: «a forte Necessidade retém (oqueé)
nos liames do definido».
A interpretação de Parménides como um monista perpassa todos os tratamentos tradicionais do seu pensamento. Porém, este
amplo consenso em torno do monismo parmenídeo tem sido posto em causa (nomeadamente quanto ao seu sentido) por vários autores,
notavelmente J. Barnes, A. Mourelatos e P. Curd. Às passagens do poema que servem de sustento a certas teses monistas têm
sido dadas leituras alternativas. Da nossa interpretação não decorre qualquer compromisso monista tradicional, seja numérico,
material ou predicativo.18 Tomemos, por exemplo, a passagem que classifica oqueé
de uno: esta passagem deve ser interpretada como adiantando uma visão atómica dos factos; ou, mudando de perspectiva (e caindo
num certo anacronismo), como propugnando a tese de que as proposições genuínas constituem unidades insusceptíveis de análise
em termos de subproposições. A visão de Parménides é, pois, compatível com uma multiplicidade de factos, ainda que estes tenham
de ser absolutamente desconexos entre si. Com a palavra «desconexos» pretendemos transmitir a noção de que os factos ou, se
preferirmos, as proposições que os denotam não se podem combinar para dar origem a outros factos (proposições): a lógica (combinatorial)
é completamente alheia ao pensamento de Parménides.19
A forma e, principalmente, o conteúdo particular dos «relatos de verdade» ficam, em certa medida, indeterminados nas teses
de Parménides. Se bem que seja bastante plausível que Parménides tenha tido em mente relatos que hoje concordaríamos condizerem
com a forma predicativa, não é de excluir que os relatos não pudessem também assumir outras formas, e bem mais complexas.
Tomemos a proposição «sete é um número primo» ou «o sol é brilhante»: são relatos predicativos, consentâneos com os cinco
requisitos parmenídeos. Considerese, agora, a proposição «num triângulo rectângulo o quadrado da hipotenusa é a soma
dos quadrados dos catetos». Esta proposição é muito mais complexa já não é predicativa mas preenche facilmente todos os requisitos
parmenídeos, apenas com o possível falhanço do terceiro. Porém, a nosso ver, alimentar a ideia deste falhanço implica sustentar
uma visão muito forte do que se entende por «inteiro de um só tipo» e «não divisível». Tal visão está, a nosso ver, ausente
do poema. Damos preferência, até ver, a uma interpretação minimalista.
Fernando Ferreira Faculdade de Ciências, Departamento de Matemática Rua Ernesto de Vasconcelos, Bloco C1, piso 3 1700
Lisboa ferferr@ptmat.lmc.fc.ul.pt
ReferênciasBarnes, J. 1979 The Presocratic Philosophers, Vol. I. Londres: Routledge & Keagan Paul, 2.ª
ed.
Coxon, A. H. 1986 The Fragments of Parmenides. Assen: Van Gorcum.
Curd, Patricia 1991 Parmenidean Monism. Phronesis, vol. XXXVI/3, 24164.
Furth, Montgomery 1968 Elements of Eleatic Ontology. Journal of the History of Philosophy, 6.
Gallop, D., 1984 Parmenides of Elea: Fragments. Toronto: University of Toronto.
Geach, Peter 1972 Logic Matters. Oxford: Blackwell, 2.a ed.
Kahn, Charles 1969 The Thesis of Parmenides. The Review of Metaphysics, 22, 70024.
Kirk, G. e Raven, John 1957 The Presocratic Philosophers. Cambridge: Cambridge University Press.
Kneale, William e Kneale Martha 1972 O Desenvolvimento da Lógica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
Mourelatos, Alexander 1970 The Route of Parmenides. New Haven: Yale University Press.
Mourelatos, Alexander 1979 Some Alternatives in Interpreting Parmenides. The Monist 62 (1979), pp. 314.
Owen, G. E. L. 1960 Eleatic Questions. Classical Quarterly, 10.
Pereira, M. H. Rocha 1990 Hélade: Antologia da cultura grega. Coimbra: Instituto de Estudos Clássicos, 5.a
ed.
Quine, W. O. 1960 Word and Object. Boston: MIT Press.
Santos, J. Trindade 1992 Antes de Sócrates. Lisboa: Gradiva, 2.a ed.
Notas
- Este trabalho deve bastante a J. Trindade Santos, que acompanhou, influenciou e criticou - de forma aberta e frontal,
como é seu timbre - várias versões do texto. É justo dizer que, sem o estímulo que retirámos das suas críticas, teríamos produzido
um outro trabalho, menos satisfatório. Deixolhe, pois, um agradecimento especial. Também beneficiámos de algumas sugestões
de pormenor por ocasião da leitura e discussão deste ensaio num encontro realizado na Sociedade Portuguesa de Filosofia: o
meu obrigado a João Branquinho, António Marques, João Sàágua e António Zilhão.
- Consultese, também, a passagem 285d286e.
- Há uma dualidade fundamental no conceito de predicação que, na notação da lógica moderna, se espelha na distinção entre
símbolos predicativos (letras maiúsculas, P, Q, R, ...) e constantes individuais (letras minúsculas, a, b, c, ...), e de cujas
concatenações (Pa, Qc, Ra, ...) se originam as predicações. No cálculo silogístico, Aristóteles vêse confrontado com
a necessidade de os seus termos terem de assumir tanto a posição predicativa como a de sujeito (pensese no termo médio
de Barbara ou nas regras de conversão). Assim, segundo Geach, assistese com Aristóteles à transição de uma teoria
predicativa (exposta no Sofista, baseada na dualidade nome/verbo) para uma teoria que Geach denomina de twoterm
theory. E conclui: «Aristotle's going over to the twoterm theory was a disaster, comparable only to the Fall of Adam»
(Geach 1972, 47).
- Em contextos jurídicos, Aristóteles usa o termo hyparchô para designar o facto de um predicado pertencer a um sujeito
(Retórica, I 10, 1368b 2932). Parecenos ser este o sentido a destacar nesta utilização do verbo. (Agradecemos
a J. Trindade Santos esta observação, assim como a tradução da passagem.) Os Kneale, (1972, 645), avançam uma explicação
linguística interessante para o facto de Aristóteles preferir, por vezes, usar a forma predicativa complicada hyparchô,
ao invés de uma forma mais simples.
- Para sermos precisos, deveríamos ter dito «em termos de formas proposicionais mais simples».
- Ao considerarmos um alfabeto infinito saímos do domínio puramente sintáctico. Porém, como é sobejamente conhecido, o presente
aparato pode reformularse de modo a envolver apenas um número finito de símbolos: basta gerar a infinitude dos números
naturais através dos dois símbolos 1 e ' (sucessor).
- Esta é a uma tradução do fragmento 2 do poema de Parménides, em que a importância e o assombro da mensagem eleática são
veiculados pelo carácter divino da revelação de uma deusa. A tradução é canónica, excepto (talvez) no último hemistíquio do
verso 6, que se deve a Mourelatos 1970 («a path from which no tidings ever come»). Para além disso, evitouse introduzir
uma modalidade bastante usual no verso 3. Seguimos a doxografia ortodoxa de DielsKranz para nomear os fragmentos do poema.
Consultámos, principalmente, as traduções de: Mourelatos 1970; Gallop 1984; Coxon 1986; Barnes 1979; Pereira 1990; Santos
1992 e, também do mesmo autor, umas notas intituladas «Parménides e Platão».
- Mourelatos 1979 atribui esta ideia de suporte ou esquema proposicional a Guido Calogero, no seu Studi sull' Eleatismo.
Mourelatos patenteia a função esquemática do «é» eleático com o artifício notacional «__ é __», onde os traços envolvem um
sujeito e um predicado omissos. Não obstante, observese que a nossa interpretação não se compromete somente com a forma
proposicional predicativa.
- A interpretação veriditiva do «é» parmenídeo aparece no artigo de Kahn 1969.
- Esta passagem tem a peculiaridade notável, não espelhada na tradução, de ter a forma nominal do verbo ser no plural: einai
mé eonta. A leitura que propomos atribui ao infinitivo einai uma função veriditiva e à forma substantiva plural
mé eonta uma função «factual». Consultese mais adiante a discussão do fragmento 8.
- Entre os defensores desta interpretação contamse Kirk e Raven 1957; Owen 1960 e Barnes 1979.
- A alusão a Anaximandro (DK 12a 9) não é, claro, inocente.
- Vide frag. 8.123. Não há consenso entre os especialistas sobre a tradução desta passagem. Seguimos a versão de Barnes
1979.
- Comparese com a análise de Owen 1960, 97.
- «Mass terms»: consultese Quine 1960, secção 19.
- Claro que estamos a sugerir que estas linhas e a precedente (a 8.22) discutem a qualificação «houlon mounogenes».
- Fazse alusão às várias ocorrências de palavras de tema peira no poema (e.g., a passagem 8.301, traduzida
no final do parágrafo). No fragmento 8 este tema vem associado a uma imagem de rigidez coagida. Gostamos de ver nesta coacção
o carácter limitativo/definidor duma proposição (notavelmente - no caso predicativo - a limitação do sujeito pelo predicado).
Sem dúvida que se pressente nesta rigidez coagida uma crítica ao apeiron de Anaximandro.
- Estas três versões do monismo discutemse em Curd 1991.
- Será que esta inabilidade de obter novas proposições a partir duma combinação de outras e, reciprocamente, de analisar
proposições como combinação de outras é o assunto do fragmento 4?
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